Na Velha Vila Boa

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Caminhar por entre corpos em estado avançado de decomposição só me lembra. O quanto Deus é cruel para com alguns infelizes, que nos caminhos tortuosos e estreitos da Vida, desviam-se para darem a si próprios o direito da Escolha.

Lastimável foi o dia em que Tu cruzastes meu caminho,
Tu que és a representação da Infâmia, a Luxúria,
Encarnada num corpo moldado pela língua do Mal, cuja
Saliva é a mesma que eu provei de teus lábios, de onde
Brotou todo o veneno que corroeu minha medula, a gangrena
Avançando e deteriorando todo o meu ser.

Tu que me levastes a devassidão no meu modo pacato e singelo
De viver.
Um viver marcado pela solidão de estar entre muitos, mas com
A sensação de ser o único vivo sobre a sombra negra da face da Terra.
De observar o sorumbático eclipse lunar que há tanto ansiava em vê-lo
Ao teu lado, apreciar o mergulho de minha alma numa completa e austera
Penumbra. E assim ela ainda continua depois de sua passagem rápida
E catastrófica.
Que iniciara-me no coito, no gozo, desenfreado e abundante, que mesmo
Depois de esvaído minhas energias em ti, levou-me a buscar
Meretrizes, fresgas, das ruas baixas da velha Vila Boa, com suas pernas
Desnudas e cheirando a flores silvestres, o cheiro de coito finalizado
Das carnes frouxas e públicas- para aqueles que podem pagar- de suas conchas
Que inundei com a semente, para algum outro infeliz solitário
Chafurdar seu falo pobremente ereto e sifilítico.
E que agora procuro prazer com meu próprio corpo, utilizando-o da melhor forma que me convier, de qualquer forma, mundana.

Tu que me desviaras do caminho tortuoso e reconfortante de Deus, atolando
Minha pobre mente em confusões mentais provocadas pelo torpor de sua voz,
Sedosa e aveludada, a sussurrar em meus ouvidos, eriçando os mais profundos
Desejos, suas aventuras com o clero, como traficava o coito para dentro das sacristias
Enganando padrecos, sacristãos, coroinhas, e até mesmo um bispo da cúria italiana,
Cuja sagrada semente fecundou-a, gerando um rebento, nada mais que uma união
Entre o divino e o mundano, corpos corrompidos pelo vício do prazer!

Maldita hora em que tu me abandonastes, mergulhando-me numa fúria descomunal
Passei dias a fio, entre o consolo do álcool e o prazer momentâneo das fresgas
Onde em casa vislumbrava o reflexo embaçado de um homem em completa desgraça
Abandonado por um amor meteórico e avassalador, a lâmina, junto com o reflexo, passavam
À frente do meu rosto marcado por rugas profundas, um fio de saliva escorrendo pelo canto
Não vi a hora em que atravessei o umbral da porta de cedro- única herança de meu tio-avô,
Barão do Araguaia- e tomei a rua, em direção ao prostíbulo onde tu moravas, via as caras atônitas
Das outras fresgas, os risinhos abafados de prazer fingido, subia o lance de escadas do nobre "lar",
Arrombei a porta de teu quarto, onde peguei-te com um fazendeiro rico, só reparei nisto depois da condenação
Baixei minha navalha em tua carne macia e deliciosa, espalhando sangue nos lençóis encardidos de, sabe-se lá, quantos
Coitos interrompidos, vi seus olhos arregalarem-se antes do meu golpe final, decepando-lhe sua jugular.
Fugi. Na saída da cidade peguei meu cavalo negro, coloquei meu poncho em volta do pescoço que nunca receberá seus carinhos. E desapareci, e estou aqui em frente ao seu túmulo, dizendo tantas asneiras. Sinto pena dos vermes que tu deves estar iludindo. Filha da Grande Puta Que Nos Pariu!

Os Contos da CapitalWhere stories live. Discover now