Parte VII - 31/10/2014

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Um ovo de cobra, uma mecha de cabelo e uma mentira...

Dukian subiu até o terraço pela escada que ficava escondida no porão.

Tinha pressa, muita pressa. Precisava voltar logo a porta. A garota não podia ficar muito tempo sozinha. Essa noite, o perigo estava em cada convidado. Em cada par de olhos dentro da mansão.

Ninguém ali, sairia impune. Talvez, ninguém saísse dali, de fato.

Não foi a toa, que sua mãe ganhou a fama de viúva negra. Ela honrava o apelido. E possuía uma fome insaciável.

Dukian hesitou diante da entrada do terraço. Doze mulheres vestindo mantos negros que cobriam seus rostos, formavam um círculo em torno de uma fogueira. Suas vozes se uniam ao murmurar repetidamente a mesma frase:

“Oh grande mestre, senhor do submundo. Mestre, mestre, aceite a oferenda. Mestre, mestre, dê-nos o comando. Essa noite, o traremos. Oh, príncipe. Filho do sangue e do fogo. O Fantasma Profano”

As mulheres repetiam as palavras, enquanto sua mãe orquestrava o ritual.

Dukian conhecia cada uma delas, apesar de não enxergar suas feições. E desprezava a todas. Suas tias. Aquele covil de cobras. Fora usado de diversas maneiras por elas. Das piores formas possíveis. Uma cobaia em cada Sabbath, em cada lua cheia. Até sua inocência ir embora por inteiro.

Agora, ele queria o poder para si. Se dependesse dele, ninguém ali completaria o ritual. Não, enquanto ele pudesse atrapalhar. O problema é que ele mesmo podia sentir dessa vez. O poder. Crepitava no ar. Deixava seu aroma no vento. Sibilava em seus ouvidos. Era o poder do mestre. Do Fantasma Profano, o amante de sua mãe. Podia senti-lo chegando.

Acontecia ano após ano. Essa maldição do Halloween. Ano após ano, elas tentavam sem sucesso, mas o coven estava perto de conseguir dessa vez, e se o fantasma profano viesse, ninguém seria capaz de enviá-lo de volta.

Dukian olhou diretamente para as chamas na grande fogueira. Uma densa fumaça negra se movia lentamente por trás do fogo e começava a ganhar forma. Era ele, o mestre. Quase ali. E Dukian constatou o que lutou para não enxergar. Pegaram a garota certa. Por isso aquela força tão grande estava presente.

-       Vai ficar parado aí Dukian? Entregue o que me deve e vá. Está me atrapalhando!

Sua mãe, Acássia, flutuou até ele e caiu como um raio à sua frente. Ela subiu o manto vermelho e exibiu o rosto. Quem a visse na rua, seria facilmente seduzido. Pele de porcelana, adornada por cabelos loiros e finos que caíam sobre traços ingênuos. Acássia girou os olhos brancos e exibiu as órbitas negras. Ela gostava de tentar assustá-lo com seus poderes. Só tentava, porque nunca mais conseguiu, depois que Dukian conheceu o demônio por trás daquela fachada de anjo. Aquela foi a única vez, que ele sentiu medo de verdade na vida.

-       Está tudo aqui – ele entregou a ela uma bolsa de pano. - Meu sangue, uma mecha do cabelo dela e o ovo de cobra roubado do ninho no cemitério.

Acássia segurou os objetos rudemente e não agradeceu.

-       Você demorou. Mas a garota entrou, não entrou?

-       Sim, senhora Acássia.

-       É melhor abandonar seu sarcasmo e praticar os modos, para a chegada do mestre.

-       Está otimista mamãe? Quem garante que dará certo dessa vez?

-       Dukian, você e eu sabemos, que finalmente a encontramos. O sangue dela, é puro. Agora saia daqui. Porque se sua energia interferir no ritual, ambos sabemos o que farei com você.

-       É mamãe? Vai me jogar no fogo? Por que será, que não temo as chamas, consegue imaginar?

-       Você sabe, filhinho. Se deve temer algo ou alguém, é a mim.

-       Não enquanto eu lhe for útil. E você sempre acaba precisando de mim, para algum trabalhinho sujo.

Dukian lhe deu as costas e ouviu sua última ameaça:

-       Não pense que não sei que está tramando algo. Estamos de olho. Se não a trouxer aqui, antes da meia noite como o combinado, descobrirá que existem maneiras muito piores de queimar. E acredite em mim. Não é nada agradável a sensação da ardência, da queimação, da agonia. Tome cuidado com seus olhos, filhinho.

Dukian a ignorou e desceu a escada de volta ao porão. Não temia sua penitência. Muito pior, seria o que viria se o ritual sucedesse bem. Ele conhecia os riscos e sabia que era observado.

Observou as dezenas de pessoas fantasiadas dançando no salão. Todos alheios ao que viria até a meia noite.

Cada convidado da festa agiria como um fantoche de sua mãe quando a hora chegasse. Ninguém estava consciente de seus próprios atos, ninguém ali possuía escolha. No momento em que sua mãe estalasse os dedos, os convidados seguiriam a qualquer comando.

Mas ele tinha um plano elaborado em sua cabeça. Algo que arquitetou por anos e guardou apenas para si. Estava tudo programado. Passo a passo. Só existia uma pessoa capaz de atrapalhá-lo, somente ele tinha o dom de perceber por trás das intenções de Dukian. E somente ele não estava participando do ritual.

Precisava convencê-lo, mas tiveram desavenças demais no passado. Sendo sincero, Dukian talvez nem confiasse em si mesmo se lhe pedissem. Não poderia de fato culpá-lo. Mas também não amoleceria logo agora, não. O mais difícil já estava feito. Ninguém ficaria em seu caminho. Não nessa noite.

Ele saiu em busca da garota. Urrou de ódio quando não a encontrou na porta da mansão. Soube exatamente quem seria o enxerido que a tirou dali. E perfeitamente qual punição infligiria à ele.

Chegara a hora do plano B. Dukian seguiu pelo salão à direita esbarrando nos fantoches de sua mãe, quer dizer, convidados.

Ele farejou o rastro do traidor e soube exatamente onde encontrá-los.

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