Laudo 10

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Passado algum tempo, o Psicólouco terminou de fazer suas anotações, com base em tudo o que assistira em vídeo sobre a terapia em grupo, que, como era de se prever, fora rápida e cheia de mortes. Antes de se levantar, ele apertou diversas vezes o botão de sua caneta azul, preparando-se para finalizar de vez aquele processo. De pé, ele guardou a prancheta e a caneta no bolso do janelo, abotoou-se, penteou-se, botou os óculos e começou a destrancar as portas de seu quartinho privativo.

Enfim havia se livrado daqueles loucos que tanto o incomodavam. Aquele tinha sido um dos processos de terapia mais longos de que se lembrava e, não por acaso, estava feliz por ter acabado. E mais do que isso: segundo seus cálculos, com o dinheiro que os familiares dos pacientes mortos e do único vivo estavam prestar a lhe enviar, ele poderia, enfim, comprar seu precioso domínio na internet, e nunca mais frequentar aquela clínica de quinta categoria. Ele estava muito empolgado: trabalhar em casa seria muito mais prazeroso, sem falar que não precisaria ter contato direto com os loucos, expondo-se a perigos, como mordidas, germes, brotoejas, etc.

Ele foi até a sala de terapia em grupo, destrancou todos os cadeados, e entrou, tropeçando, assustado, no corpo de Sódó. "Oh, que repugnante!", xingou o Psicólouco, chutando o corpo para frente e tentando não pisar no sangue, para não manchar seu sapato de couro legítimo.

O diplomado sentiu o cheiro de cadáveres subir às narinas e achou aquilo horrível. Com certeza ele não merecia passar por aquilo, e sorriu por aquela ser a última vez. Os ventos foram favoráveis, e seus métodos estavam prestes a mudar.

As tábuas que antes cobriam as janelas estavam sendo removidas pelos armários do lado de fora, o que trazia certa claridade àquele cenário horrível, onde os loucos mortos espalhados pelo chão e ensanguentados eram ainda mais desprezíveis do que suas versões vivas. Ele olhou para a frente e ali estava ele, o paciente sem nome, um vulto negro no fim de sala.

"Impressionante, meu caro!", disse o Psicólouco. "Eu tinha mesmo o palpite de que seria você a curar-se!", admitiu.

"Estou... curado? De verdade?", indagou o mascarado, virando-se para encarar o doutor.

"Obviamente!", respondeu o respeitável Dr. Psicólouco, encarando fixamente aquele novo cidadão normal, porém estranho.

"Há!", comemorou o ser, em tom mediano.

"Meus parabéns!", elogiou o médico, esperando que seu último paciente se mostrasse mais empolgado com a vida normal que podia vir a ter a partir daquele momento. "Não percebe que derrotou seus adversários tapados com perguntas impertinentes? Foi muito esperto, devo admitir. Bloqueou toda a atenção de si enquanto arquitetava um plano perfeito para chegar ao prêmio. Essas informações serão mesmo muito valiosas!", pontuou, feliz, sem se dar ao trabalho de sentar na cadeira que o aguardava, pois não se demoraria naquela sala.

"E agora?", perguntou o cidadão de bem, porém sem nome, ainda parado na frente do Psicólouco, como se nunca tivesse vivido fora daquela sala.

Mas o Psicólouco ignorou a pergunta do ser mascarado, foi até o botão vermelho e, desviando-se de pisar na cabeça do morto que fora Sódó, o acionou. "Os armários vão dar um jeito nesses corpos...", informou o diplomado, aproximando-se novamente do ex-paciente.

"E agora?", o mascarado repetiu a pergunta. "O que farei como alguém normal? O que será de mim?".

"Ora, não precisará mais ficar trancado aqui, feito um maluco qualquer! Mas não se preocupe, não ficarei ressentido, afinal, ganharei com as suas anotações, e com a dos loucos mortos também, consideráveis fundos!", anunciou, virando-se para ver os armários entrando e ajuntando os corpos, em uma pilha nojenta e horrível de sangue e putrefamento. "Deixem assim do jeito que está!", ordenou ele quando um dos gêmeos estava prestes a acender um fósforo e o outro a jogar álcool nos corpos, "Ainda não aprenderam que eu gosto de ficar com essa parte?", e foi até eles, roubando a caixa de fósforos da mão de um enfermeiro e, do outro, o álcool, que não souberam o que dizer e, por isso, ficaram quietos. "Retirem-se!", ordenou o doutor, vendo que os armários ainda encararam o ex-doido mascarado, "Ele não pode me fazer mal algum agora... está curado!".

Gatilho VerbalWhere stories live. Discover now