Laudo 5

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O louco que faltava chegou alguns dias depois, acompanhado da mãe. Ela o levou até os portões da clínica a pé, com um carrinho de feira bem abastecido sendo puxado pela mão direita, já calejada de tanto trabalho. Ela era normal, mas ele não: era doido e estava pálido, com olheiras.

"Será que esse é meu destino, mãe?", perguntou ele com um sorriso no rosto que fez a frase toda parecer retórica.

"Só O Criador sabe, meu filho", respondeu ela. "Eu não posso entrar com você, não permitem gente normal aí dentro a menos que seja o dia de pagamento...", informou ela, apressada. Usava um avental laranja e seus cabelos grisalhos eram presos por um coque frouxo na nuca. "Boa sorte filho, espero que saia curado desse lugar horrível. Você tem um talento único!", e beijou as duas bochechas do doido, o abraçou e, depois, foi embora, vagarosamente devido ao peso do carrinho que arrastava.

Rindo enquanto acenava para a mãe – o que era uma burrice, já que ela partia de costas para ele – João atravessou os portões, maravilhado com o tamanho deles. Viu o belo jardim do lado de fora e ficou encantado com o cuidado que os funcionários tinham em deixar tudo bonito e bem cuidado.

Subiu os degraus e ficou bem empolgado para atravessar as portas duplas da clínica, que pareciam bem fortes e resistentes a ventanias e a doidos potencialmente fugitivos. Enfim se tornaria um cidadão respeitável, que passa pelas ruas e é admirado por todos simplesmente por fazer a sua parte crucial para o futuro da sociedade! Ele passou pelas portas e deu de cara com um lugar bem amplo, iluminado por uma claraboia, paredes em lindos tons amarelos e, em mesas nos cantos, um casal aparentemente muito simpático, ele julgou.

"Bom dia!", e João foi cumprimentar os dois que estavam em suas mesas, caminhando até eles com ânimo. "Como estão? Cheguei muito cedo?".

O Psicólouco, em sua mesa, olhou para o novo biruta com olhar de reprovação. Ele era feliz demais, o que será que havia com ele? Era melhor trancafiá-lo na cela quatro o quanto antes. Além de tirar logo aquele tapado de circulação livre, ainda adiantaria o processo de trabalho, possibilitando a realização da terapia em grupo e a chegada do tão esperado dia de pagamento.

Arlete viu aquele pobre maluco, que usava uma camisa laranja com número na frente e nas costas, característica de um jogador de futebol, um calção vermelho, meias pretas, chuteiras brancas, e ficou ainda mais deprimida. Já não era fácil estar ao lado da pessoa mais linda do mundo em um silêncio absoluto de indiferença, e era pior ainda estar ao lado da pessoa mais linda do mundo em um silencio absoluto de indiferença e, ainda por cima, ter um idiota doido para atrapalhar esse momento. "Nome?", perguntou ela, desinteressada.

"João", e ele foi até a moca, encostando em sua mesa e erguendo a mão direita para cumprimentá-la, "mais conhecido por aí como João Sofredor", acrescentou, sorridente.

Tanto Arlete quanto o Psicólouco ficaram pasmos com a atitude atrevida dele. Onde já se viu um louco tentar cumprimentar uma pessoa normal como se estivessem na mesma condição? Pelo visto, aquele doente em especial teria de aprender a conter seus membros sujos e deficientes antes de sequer pensar em atender a seus impulsos vulgares.

Para se defender daquela agressão iminente, a secretária, acionou o botão vermelho embaixo de sua mesa e, quase que imediatamente, os gêmeos armários surgiram e começaram a correr na direção do mais novo e último paciente da clínica. Cada um pegou um braço do doido, que continuava sorrindo e, juntos, começaram a puxá-lo. Ambos se surpreenderam com aquele maluco caracterizado de jogador de futebol, pois ele continuava sorrindo e começou, inclusive, a bater papo com eles durante a travessia do salão, rumo ao corredor dos doidos, mais especificamente para a sala número quatro.

Gatilho VerbalWhere stories live. Discover now