Laudo 2

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Depois de quase ser atropelado, o doido não queria mais continuar seu caminho rumo ao Consultório do Dr. Psicólouco. Não queria nem ter saído de casa, para começo de conversa. Entretanto alguns sons estranhos que ele andava ouvindo e que vinham do apartamento ao lado do seu o fizeram pensar que ir àquele local pudesse ser uma ideia melhor do que ficar em casa, tentando se isolar do mundo e isolar aquele som com alguns dós tocados em seu violão. Porém, sentia que se enganara.

Ele ficou confuso depois de deixar o asfalto no qual estivera caído durante cerca de dois minutos e meio. Segurava o seu violão fortemente contra o peito, feliz por ele não ter se partido e se reduzido a milhões de pedaços repletos de particularidades. Ele acreditava que seria extremamente estressante ter de catar todos os fragmentos do instrumento; de fato era muito bom tê-lo inteiro ainda, quase que um presente.

Caminhou lentamente na direção do tal endereço da Clínica de Psiquilouquia do Dr. Psicólouco com desespero e ansiedade. Esperava que o consultório não tivesse portas duplas, luzes muito fortes, filas grandes e muito menos senhas com números de três dígitos, o que seria o cúmulo. Preferia que fosse um local bem simples, vazio e calmo para que ele pudesse se concentrar em seu estudo constante da nota dó, que estava anexada há séculos nos violões e que era, sem dúvida, a única que realmente importava para aquele louco.

Não se lembrava do número da clínica, pois anotar números não era com ele, mas achava que conseguiria distinguir o que era clínica daquilo que não era apenas olhando. Por exemplo, o doido não teve dificuldades para perceber que a casa florida que via à sua frente estava longe de ser um centro de atendimento a malucos, uma vez que as flores podem incitar implicitamente a maluquice, pensou, assim como o cachorro que latia narcotizantemente no quintal vizinho, o que poderia irritar pacientes como ele próprio, um louco.

Ao avistar um local infelizmente grande, o biruta descalço percebeu então que se tratava de uma clínica, mas preferiu nem ler o letreiro que dizia que aquela era de fato a Clínica de Psiquilouquia do Dr. Psicólouco. Ao invés disso, seguiu sua intuição fragilizada e invadiu o território incerto portão adentro, aterrorizado com o barulho enferrujado que isso causou. Ele precisou tocar a nota dó de seu violão para esquecer aquele som horrível, tirá-lo de sua mente, porém, essa não foi uma tarefa fácil, já que tocar de pé não era algo realmente simples para aquele músico: envolvia uma série de coisas, como equilíbrio, concentração e memória.

Cada passo era uma tortura, era um passo a mais rumo a incerteza, ao movimento, às atitudes não calculadas e ao confronto com a complexa mente. Tudo aquilo deixava o doente ainda mais doido, o que não era bom, já que ele estava querendo mesmo era mostrar para si que era bastante racional, apesar de insano.

O primeiro problema encontrado foi um lance de três degraus de escada. Três era um péssimo número para ele, pois era o primeiro a aterrorizá-lo, a colocar em cheque a compreensão. Ele subiu cada degrau com um toque dó no violão, com a esperança de que isso o fizesse esquecer do número três. Mas a tentativa foi frustrada, infelizmente. Quando terminou a terrível subida, encontrou um novo e estressante obstáculo. "Portas duplas", exclamou baixinho ao encarar frente a frente um de seus muitos medos. Ele simplesmente deu meia volta, desceu os degraus, sem pensar, e se dirigiu ao portão em largas e desesperadas pisadas, ao concluir que seria um desafio atravessar não só uma, mas duas portas potencialmente perigosas para sua sanidade e seu equilíbrio emocional.

Apoiou o violão na coxa direita, que se encaixava relativamente bem nas silhuetas do instrumento, apertou com força a corda em uma casa específica com a mão esquerda e puxou a outra extremidade dela com o dedo indicador da mão direita. O som da nota dó calou a respiração ofegante e os pensamentos negativos do retardado, e ele se sentiu forte e capaz de cruzar as duas portas, sem problema.

Gatilho VerbalWhere stories live. Discover now