Laudo 3

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 Os gritos descontrolados de uma jovem eram ouvidos por todo o quarteirão. Por mais que os moradores da região estivessem acostumados com esse tipo de empecilho, afinal o Consultório do Dr. Psicólouco lidava com malucos da pior espécie, aquela balbúrdia estava passando dos limites, de modo que diversas pessoas saíram de suas casas para ver o que estava acontecendo ou estavam atentas de suas janelas olhando aquele disparate, prontas para ligar para a emergência, caso aquilo não cessasse.

"Pai, eu não quero entrar!", implorava a menina aos berros, sendo conduzida até o portão por indelicados puxões de cabelo vindos de um homem mais velho, de terno e gravata, enquanto era acompanhada pelo olhar de curiosos.

A mãe aguardava dentro do carro, com os olhos mirados para os próprios sapatos.

"Não quero ficar aqui! Por favor, pai! Não pode fazer isso comigo!", berrava a menina.

"Pensasse nisso antes de ter feito o que fez!", urrou ele, entregando a filha para os armários, que aguardavam, ansiosos, de braços e portões abertos, a chegada da garota. "Agora seu comportamento passou dos limites! Eu e sua mãe não temos que aguentar mais isso! Imagine, logo nós, pessoas decentes...", e, depois de entregar a doida aos braços fortes e rígidos dos enfermeiros, voltou para o carro e, sem dar uma última olhada na filha, deu partida e desapareceu no fim da rua, junto com o carro e a esposa.

Os gritos da menina que se seguiram foram ensurdecedores, de forma que os vizinhos, que estavam pensando em abandonar seus postos de futriqueiros com a partida do veículo, permaneceram como espectadores. Os armários seguravam firmemente os braços da menina, que, por sua vez, estavam cruzados abrigando um bichinho de pelúcia colado em seu ventre. Os enfermeiros a arrastavam para dentro do grande consultório, enfrentando uma dificuldade que não imaginavam. Apesar de estar com os braços parcialmente imobilizados, a menina sabia chutar, e suas pernas se erguiam com um misto de destreza e provocação, como uma rã que se recusava a ser dissecada.

A garota não era adulta, nem adolescente, nem criança. Era um híbrido dos três, de modo que distinguir qual era sua idade se tornava algo complicado, principalmente pelo jeito como se comportava e se vestia. Seus cabelos estavam presos em marias-chiquinhas mal feitas, cheias de presilhas, tererês, tranças e penduricalhos dos mais variados tipos, além de mechas postiças de todas as cores possíveis. Certamente, uma pessoa daltônica ficaria extremamente confusa ao se deparar com um cabelo daqueles.

Ela trajava roupas tão estranhas quanto sua cabeça desorganizada. Uma perna era coberta por uma meia colorida e infantil, a outra, por uma meia arrastão provocante e uma cinta-liga. O vestido era rosado e infantilóide, enquanto suas unhas eram pintadas de rosa com glitter e sua maquiagem exagerada era uma espécie de paralelo entre drag queen e palhaço.

Era uma criatura bizarra aquela com quem o Psicólouco teria de lidar.

Quando ela foi levada para dentro da clínica, o mundo de fora pôde repousar, embora ainda fosse possível ouvir algumas queixas abafadas vindas da rua. Era um dia lindo, as folhas caíam das árvores daquele bairro, o céu estava laranja. Os vizinhos sentiram que suas vidas se normalizaram mais uma vez e que, já que haviam dado um jeito na maluca, poderiam seguir com suas atividades corriqueiras e importantíssimas para o futuro da humanidade: como ver TV, discutir o preço do tomate, ler o obituário do jornal e brigar por causa de futebol. Todos deixaram suas varandas e portões para pôr em prática tudo aquilo e mais um pouco.

Assim que os gêmeos enfermeiros passaram com a garota gritando e esperneando em seus braços pelo salão de recepção, Arlete levou fum susto. "Mas o que significa isso? Onde estão os modos dessa donzela?", ofendeu-se a mulher, que jamais se comportaria de forma tão ousada e indecente.

Gatilho VerbalWhere stories live. Discover now