Virou-se para encarar um de seus maiores medos, fechou os olhos e apertou o passo rumo às aterrorizantes portas. Ele tropeçou em um degrau e levou o maior susto. Tinha esquecido que havia três assustadores degraus naquela segunda vez que se aproximava das portas duplas, igualmente macabras. Apertando novamente a nota dó, desta vez com dificuldade, já que decidiu não usufruir do auxílio da coxa, ele encarou a breve subida e atravessou rapidamente as duas portas, que fizeram um barulho ensurdecedor para seus ouvidos já cansados.

Dentro do consultório, o louco percebeu que estava novamente ao chão, mas, dessa vez, não era um chão de concreto, mas sim de algo mais frio, do qual não se atreveria a tentar descobrir o material. Achou aquele piso confortante, apesar de tudo, e pouco conflitante com sua filosofia de vida, por isso, ficou deitado por algum tempo, relaxando e tocando a nota dó mais um pouco.

Ele ouviu sons horríveis que ficavam cada vez mais altos à medida que ele ia se levantando do chão, atento e pronto para usar seu violão como defesa. Os sons eram baques irritantes vindos de sapatos de salto estupidamente vermelhos, que iam contra os olhos assustados do doido. Ele não se atreveu a olhar quem era o dono daquele par de sapatos horripilantes, preferiu olhar para o teto alto e branco logo acima, mas disse "oi" como forma de enfrentamento corajoso, desistindo de deixar o chão.

"Mas que diabos...!", dizia a voz que certamente controlava o corpo que tinha seus dois pés enfiados naquele par de sapatos de péssimo gosto. "Esses doidos estão cada vez mais retardados... Bem que o Sr. Dr. Psicólouco me alertou...", prosseguiu.

Arlete precisaria de ajuda para lidar com aquele palerma que estava caído bem no capacho de entrada do consultório. Ela não poderia se atrever a estragar sua unha recém-pintada de vermelho ou gastar as solas de seus sapatos recém-adquiridos e, ainda por cima, largar seu posto de secretária. Ela teria de dar o sinal de emergência.

Rápida, ela correu até sua mesa, irritando bastante o doido caído com o violão, que tapou os ouvidos na mesma hora, e apertou um botão que ficava no verso da madeira que sustentava seu telefone e as papeladas com as quais tinha que lidar todos os dias. O botão emitiu um ruído que incomodou mais ainda o biruta, que começou a gritar como um tiranossauro e logo em seguida surgiram dois homens gigantescos da outra extremidade da sala de recepção.

Os homens eram idênticos, carecas, fortes e enormes, tanto de altura quanto de largura. Os dois vestiam branco e tinham os mesmos trejeitos, além de parecerem se mover em perfeita sincronia. Os homens, apesar de tudo, eram normais.

"Tem um idiota caído ali na porta de entrada", informou Arlete aos armários, que iam se movendo rapidamente na direção dela, apesar de que, mesmo assim, pareciam estar em câmera lenta, já que o saguão era tão grande que demoraram longos minutos para alcançar a secretária. "Por isso acionei o alarme", acrescentou ela, para quebrar o silêncio ocasionado pelo fim do alarme.

Mudos, os dois seguranças da clínica foram até o maluco e o agarraram, de modo que cada um ficou responsável por um braço do sujeito e um deles apanhou também o violão, carregando-o com a mão livre.

"NÃO!", gritou o doente mental. "Este é o meu violão! Devolvam! Vocês estão me narcotizando!", delirava. Ele jamais podia se separar daquele instrumento tão vital para sua sanidade. Era como se estivessem lhe arrancando um braço e, na verdade, ele realmente preferia perder um de seus braços do que aquele precioso instrumento.

Arlete suspirou aliviada. Ainda bem que havia aqueles dois homens gigantescos para lhe dar cobertura quando a situação fugisse do controle, pensava ela. "Tragam-no para cá", ordenoul, satisfeita com seu próprio timbre de autoridade, apontando com o indicador uma área perto de sua mesa.

Gatilho VerbalWhere stories live. Discover now