Na estrada

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A Lua já estava no alto quando Cecília finalmente despertou. Acordou ofegante, assustada de um pesadelo, incidente que começava a se tornar recorrente. O vento estava soprando forte, fazendo dançar as alvas e finas cortinas recolhidas aos cantos de cada lado da janela, pela qual passava a luz branca do grande corpo celeste e das estrelas, alumiando a área próxima a ela. Da porta, uma claridade amarelada, como a proveniente do fogo, passava por entre as frestas da passagem.

Seu penteado estava desmanchado e suas vestes amassadas. Olhou ao redor desnorteada, tentando lembrar onde estava. Esperava acordar em seu quarto, talvez sob o olhar de Isabel, sua irmã do coração, que a confortaria, como sempre fazia nessas situações. Tentando afastar as recordações daquele sonho desagradável, levantou-se e foi olhar pela ventanas, cuja luz branca - que transbordava a bonança de uma noite calma- lhe chamaram atenção. Algumas tochas ao redor da casa estavam acesas, e uns homens , que eram as únicas pessoas naquela paisagem, salvo uns outros três ou quatro que rondavam o terreno, vigiando os de dentro (escravos) e os de fora (índios). Conversavam a algumas braças de distância, próximas a uma delas.

Os grampos que sustentavam seu penteado começaram a espetar sua cabeça, então começou a os retirar. Seus cachos dourados foram caindo um a um sobre seus ombros; os fios mais rentes a seu crânio estavam levemente desgrenhados. Quando estavam quase todos soltos, o vento soprou mais forte, fazendo-os decolar. Até que todos os adereços estivessem retirados, não percebeu que os mancebos que lá conversavam haviam notado sua presença e estavam a observando. Sobressaltou-se ao deslumbrar essa cena e entrou rapidamente, fechando as cortinas, que acompanhavam o movimento de suas mechas. Se voltou para a porta, em direção ao lampejo cor d'ouro. Abriu-a lentamente, encontrando Alda e Tâmara sentadas logo a frente dela, no estreito corredor. Alda estava adormecida, com a cabeça pousada sobre o ombro da mais velha. Em sua mão, uma vela pela metade era a única luz que iluminava o corredor. Tâmara levantou e a recebeu com um sorriso gentil, fazendo a cabeça de Alda tombar pra trás - apesar disto, o cansaço que sentia não a deixou despertar.

- Boa noite, senhorita.

- Boa noite. - Disse Cecília, recordando da conversa que tivera com ela há horas atrás.

- Estás bem?

- Sim. Eu peço perdão por não ter descido, eu...adormeci - O rubor foi pitando suas bochechas.

- Não há pelo que se desculpar. Sei que passou por muita coisa. Espero que bons sonhos tenham embalado seu descanso.

Cecília respondeu apenas com um sorriso e desconversou.

- Imagino que todos já estejam dormindo.

- Decerto.

Nesse momento Alda acordou. O brilho que a vela emitia fazia com que seus olhos parecessem ser castanhos claros, combinando com o tom dos caracóis de seus cabelos. Se desconcertou ao ver Cecília diante de si, já que acreditava que deveria estar acordada a esperando. Mas e se ela dormisse até a manhã seguinte?

- Senhora! Digo, senhorita... - Sua voz foi minguando até sumir.

- Boa noite, está tudo bem comigo - Redarguiu Cecília, tentado tranquilizá-la.

- Ah! - Disse, expressando um pouco de alívio.

Cecília logo reparou em semelhanças entre a moça e o seu bom companheiro, o que a fez lembrar que não tinha tido notícias suas desde que haviam chegado.

- Perdoem importuná-las, sei que estavam me aguardando à tarde e que me esperaram mais até agora, porém, por gentileza, poderiam me indicar onde está meu amigo? Ele me acompanhou... trouxe, na realidade, até aqui.

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