Na serra

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O sol já iluminava os belos picos da Serra dos Órgãos quando Cecília despertou. Eles, orgulhosos, exibiam sua majestade. A menina acordou com o cheiro de carne assada. Peri já tinha voltado com a caça. Além dela, trouxera frutos e sementes das mais variadas, dentre as quais estavam a cambucá, araçá, carambola, goiaba e grumixama. Era um verdadeiro banquete. Comeu com gosto, saboreando bem cada um dos aperitivos. Eram frutas suculentas e doces, que contrastavam com o gosto da carne, igualmente deliciosa. Parou quando percebeu que estava sendo observada.

- O que foi? - Disse, pondo seus dedos delicados sobre sua boca, agora rosada.

- Está sujo. - Indicou para a região correspondente em seu próprio rosto. Ela rapidamente se limpou. Quando se virou, quase pode perceber um sorriso refreado na face do rapaz, agora escondido por sua vasta cabeleira, pois estava com o rosto voltado para outro lado. Ele estava terminando de montar um arco.

- Estou impressionada, embora não devesse. Você fez tanta coisa em tão somente uma noite! Mas como esperar menos quando diz respeito a você, não é?

- Se Cecília diz, então o é. - Ele disse com sua simplicidade de sempre. Levantou-se e pôs o arco em seu dorso. Pegou as pistolas que havia deixado ao lado da moça e as colocou em seu coldre.

- Vamos, ainda há muito chão para percorrer.

- Mas e os mantimentos que você arranjou? O que far-se-á deles?

- Deixe. Os cachorros-do-mato comerão a carne e os jacús, as frutas e sementes que sobejaram.

- Mas precisaremos nos alimentar mais tarde. Fará falta...

- A floresta provê. Não fará falta.

Após hesitar um pouco, consentiu e ambos seguiram. Caminharam até chegar em um abismo em que podia se ver uma grande extensão da serra. A luz solar tocando os montes faziam com que a paisagem se tornasse estonteante. A mata se estendia até onde a vista pudesse alcançar. A altitude deixava o ar gelado, mesmo onde o sol brilhava intensamente. As folhas das árvores e as teias de aranha encontradas ao acaso ainda guardavam o orvalho da madrugada, que, em alguns casos, formavam pequenos arco-íris ao serem atravessados pelos raios do enorme corpo celeste.

Depois de várias horas de caminhada, Cecília já começava a se queixar da fadiga. Peri, que ia a frente, retirava o máximo de obstáculos possíveis a fim de não ofender a moça, mas era inevitável que ocorresse. Em meio a vegetação densa, era recorrente galhos se prendendo em suas roupas e cabelos ondulados, arrancando fios ou mesmo pequenos tufos, quando se exaltava e tentava sair a força. Quando não prendiam nestes, arranhavam-lhe a pele. Peri passava sem grandes dificuldades. Quando prendiam em suas vestimentas, os arrancava rapidamente. Seus cabelos raramente se enganchavam nas plantas de tão lisos que eram. Os cortes não o incomodavam muito. Já se acostumara. 

Era o melhor caminho, comparativamente. Outros ou teriam muito mais trechos com esses empecilhos, ou eram muito mais longos. Logo chegaram a uma região da floresta onde os espaços entre as árvores e arbustos eram maiores. Os movimentos se tornaram mais livres.
De repente, Cecília parou. Uma sensação de fraqueza percorreu suas entranhas. Qualquer movimento que tentasse fazer aumentava seu mal-estar. Não era para menos, nunca havia caminhado até tão longe. Sempre que precisava sair, ia montada em um cavalo ou apreciando a paisagem através da janela de uma carruagem.

- Peri... - Chamou em alta voz - não aguento...

Dito isso, caiu, sem perder completamente os sentidos. Peri estremeceu ao vê-la despencar assim, devagarinho. Que fizera levando-a a caminhar até a exaustão! A culpa o encobriu por completo. A ideia que iria morrer ali, fora do seio da família o assustou sobremaneira. Correu em sua direção, agarrou a alma desfalecida, tentando reanimá-la.

A PortuguesaWo Geschichten leben. Entdecke jetzt