Na casa

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Duas mulheres, uma trabalhadeira e outra cativa, conduziram Cecília ao quarto de convidados por uma escada na parte dos fundos da casa, após o banho em um compartimento todo revestido apenas por tábuas de madeira escura, com uma ou outra fresta que o iluminavam, perto de onde ela começava. Fez bem tanto para a convidada quanto para o próprio aposento, haja vista que, por não ser muito utilizado, já estava empoeirado. Peri o usou em seguida. As empregadas haviam deixado os óleos e trapos de pano de saco para que ele se banhasse e esfregasse. A água, porém, não era quente, como de Cecília. Deixaram-lhe uma muda de roupa seca e limpa, porém surrada. Tratava-se de uma calça bege de linho que ia até o calcanhar, e uma blusa marrom de algodão. Aproveitou o restante da água da jarra e da que se acumulara no chão de madeira para lavar o manto com que se vestia.
Saiu e o pendurou em uma tábua meio solta da parede para que secasse.
Peri seguiu as pegadas que os pés molhados de Cecília haviam deixado até o topo da escada. Ela dava para um corredor com quatro quartos e uma outra escada em seu fim, que dava para a sala principal. Ele parou um instante e pensou para onde deveria ir. Antes que pudesse decidir, Cândida saiu de um dos quartos. Ela parou em silêncio, atônita. A única vez que tinha visto um nativo de perto foi quando era apenas uma criança.
Peri se desconcertou, sem saber como agir na frente da estranha.

- Ah... Se t-

Hesitou Cândida.

- Vossa, ah... O senhor... O que deseja, cavalheiro?

Por fim, falou. Não se lembrava de serem tão bem-apessoados. "Talvez não sejam", pensou. " Porém este..."

Alberta saiu em seguida, acompanhada da mãe. Ao vê-lo, aquela baixou os olhos, resignada, enquanto esta o encarou altivamente.

- Que fazes ai? - Disse, olhando-o melhor. Parecia ter por volta de uns vinte anos. Seus cabelos, ainda escorrendo, desciam até os ombros, como torrentes de águas escuras, que reluziam a luz do luar.

- Aguardo minha senhora.

- Qual a vossa graça, rapaz?

- Me chamo Peri, da tribo Goitacá, escolhido por Dom Antônio de Mariz para velar sobre sua herdeira, a única que pode ter-lhe restado.

Todas o olharam durante um instante. As filhas ficaram admiradas com a firmeza com que expressou aquelas palavras. Alberta se atreveu a levantar os olhos. Não se arrependeu, pois viu em suas belas orbes negras a coragem inarredável. Será que seria apenas impressão? Como queria atestar toda essa confiança! Seria extraordinário.
A mãe, em contraposto, enxergou apenas indolência de um sem-vergonha qualquer, o que a aborreceu.

- Compreendo - disse a mãe, impaciente -Bom, peço que aguarde, que como você mesmo pôde atestar, ela está muito fatigada. Logo mais poderá vê-la, se assim ela desejar. Há um aposento ao lado da casa. Por que não aguarda lá?

Antes que pudesse retrucar, ela gritou:

- Alda!

Em pouco tempo, escutava- se os passos apressados de alguém subindo as escadas. Apareceu uma mocinha com seus 16 anos, mestiça, com invejáveis caracóis cor de mel que lhe cobriam a cabeça, embora mal cuidados.

- Sá? - murmurejou com a cabeça baixa, quase envergada. De canto de olho, viu o estranho ali, parado a poucos passos dela. Sobressaltou-se. Variava o olhar espantado entre ele e, em seguida, Cesária.

- Alda - Continuou ela - leve nosso convidado para nosso quarto de hóspedes ao lado da casa.

- Sim, Sá. - Disse, baixando a vista novamente. - Por aqui, senhor.

Ela ia na direção da escada principal, no fim do corredor.

-- Não, não! Chegarão mais rapidamente pelas escada dos fundos.

A PortuguesaWhere stories live. Discover now