Entrada LVIII

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Bom dia, amiguinho!

Como você tá? Espero que esteja tudo bem, muito bem, pois comigo tá tudo zen. Faz uns dias que eu não passo aqui e o motivo é exatamente esse: tá tudo indo na mais santa paz de Cristo. Isso se dá porque, conforme combinado com o desgraçado, não estou mais fazendo programa. Olha que maravilha: ganhei férias remuneradas! Agora fico aqui em casa fazendo nada o dia todo, praticamente. Vai me sobrar mais tempo pra sair com os meninos, fazer as coisas que eu gosto, descansar um pouco de sexo, que eu tenho feito tanto que já parece estar perdendo o sentido — sabe quando você fica repetindo uma palavra várias vezes que parece que o cérebro dissocia a imagem acústica do significado? É tipo isso. Sexo tá virando brincadeira de criança.

Falando em sexo, criança e tempo livre, estou lendo Lolita. Na verdade não era isso que eu ia falar (apesar de que é fato que eu fiquei um tempão sem ler nada, hein?), mas pode ser. Tô lendo esse porque Nabokov falou mal de muita gente boa e eu quero ver se a pica literária dele é grossa mesmo. Mas o que ia mesmo dizer é que estou considerando seriamente voltar a estudar, por dois motivos: já estou há quase um ano nessa vida de prostituição e agora sei bem que não é isso que eu quero fazer pra sempre. O dinheiro é bom, vem fácil, o trabalho não é sacrificante, mas eu não quero viver disso. Sei que posso mais. Um dos últimos caras que eu atendi, semana passada, se não me engano, me perguntou se eu nunca pensei em ser modelo. Ah, ele é fotógrafo, por isso a pergunta. Eu nunca pensei, não, mas ele disse que eu tenho o biótipo bom e até deixou um cartão comigo, caso algum dia eu que tirar umas fotos, fazer um book (em troca de sexo, é claro). Guardei o cartão e não disse nem que sim nem que não, mas também não desconsiderei a proposta. Não, também, que eu queira ser modelo, mas conheço um cara que faz uns trabalhos de moda e ganha um dinheirinho bom. Eu não quero ser ricaço nem nada; quero só ter o necessário pra viver confortavelmente. Voltando a estudar, tenho mais chances de arrumar um emprego bom, ou um estágio antes, e seguir a vida como for. Daqui a um tempo o Bruno também se forma; não posso ficar pra trás!

Por sinal, já tem umas duas entradas que eu tô pra falar do Bruno e não falo. Façamos. Ah, caderno!... Ai ai. Eu acho que eu tô apaixonado, cara. É difícil entender, às vezes, mas também parece tão óbvio que eu me pergunto como é que eu demorei tanto pra concluir isso. Dia desses eu dei um “Localizar” neste arquivo e, tipo, você sabe quantas vezes a palavra “Bruno” aparece, contando essa? 397. Sabe quantas vezes eu disse “(eu) amo” me referindo a ele? 10. Isso não é um sinal? E o mais interessante é ver quão natural isso me parece. É claro que eu o amo! É claro que eu “gostar de mulher”, como diz ele, não me impede nem um pouquinho de desejar cada centímetro do corpo dele! É claro que eu não me importo de ser chamado de gay ou de bi curioso ou de indeciso ou de qualquer nome por me sentir atraído por certos seres humanos de ambos os sexos! Mas por que digo isso: porque o Bruno vale a pena, cara. Coloco as coisas na balança: as inseguranças, as incertezas, os julgamentos de um lado; do outro, o Bruno; só ele e tudo que ele representa pra mim. A balança sempre pende pro lado dele; sempre!

A gente ainda tá naquela de não saber o que somos, mas dessa vez é num bom sentido. Anteontem a gente saiu com os meninos, Paulo, Felipe e Bernardo. Fomos prum barzinho alternativo beber um pouco e conversar. Felipe e Bernardo estão juntos oficialmente, e quando digo “oficialmente” quero dizer que estão num relacionamento sério no Facebook — e nada de nomes omitidos: os nomes deles aparecem na página um do outro! Achei muito da hora da parte do Felipe (isso foi ideia dele, ele me contou); nunca pensei que ele fosse sossegar o facho, ainda mais com um cara, mas parece que o Bernardo o enlaçou pra valer. E ver os dois juntos me faz muito bem, sabe? É claro que eu não tenho essa ilusão de que as coisas vão durar pra sempre, mas a felicidade deles é estampada na testa. Eles são muito especiais; espero que sejam muito felizes, de verdade. Quanto ao Paulo, permanece solteiro, mas por opção, pelo que eu sei, que na horta dele sempre chove. E toda vez que ele me vê, e dessa última não foi diferente, ele pergunta: “E vocês dois?”. Dessa vez o Bruno tava junto. A pergunta era pra nós dois, que nos entreolhamos e sorrimos, sem deixar uma resposta clara. “Estamos aqui”, Bruno disse. “Cês ‘tão demorando demais pra sair desse chove e não molha”, Felipe acrescentou. Paulo concordou; nós só ríamos. “Cês ‘tão viajando”, finalizei. Tem ninguém viajando; o negócio é que as coisas entre mim e o Bruno caminham diferente, ora. Mas, como eu ia dizendo antes de entrar nessa conversa de bar, as coisas mudaram pra melhor entre a gente.

Por estarmos ambos de férias (as dele estão quase acabando, infelizmente), temos passado muito tempo juntos. E poucas coisas nesse mundo são melhores do que passar o tempo com o Bruno, caderno. A gente pode estar na sala, sentado, em silêncio, olhando pro teto: só a consciência de estar no mesmo cômodo, respirando o mesmo ar que ele me faz me sentir em outra realidade. Além disso, preciso dizer que conquistei... hm... como eu diria? Liberdades, talvez? Agora eu posso beijá-lo quando eu bem entendo e vice-versa, o que significa que gastamos cerca de 25% do nosso tempo compartilhando saliva — e deixo dito que acho essa estatística baixa; por mim seria de 60 a 70%. Além disso, ganhamos acesso a partes mais íntimas do nosso corpo e acho que não preciso dizer o que é que a gente tem feito bastante no quarto dele todas as noites antes de dormir além de assistir televisão — mas calma: não rolou penetração ainda; estamos indo devagar na medida do possível (mas tá ficando difícil resistir, viu?).

Sei que meu coração tá pura primavera. Todos os dias amor; todos os dias paixão, beijos e um pouquinho de sacanagem. Só encontrei o desgraçado uma vez depois que selamos o acordo e, graças às entidades divinas responsáveis, as circunstâncias quase nunca são favoráveis a nós. Tenho ido mais vezes à casa deles e dormido lá de vez em quando pra manter as aparências, mas raramente passa disso. Só teve um dia que ele foi no meu quarto de madrugada ver se eu estava acordado (eu tava, jogando Candy Crush no tablet), e ganhei um boquete de boa noite. Posso nem reclamar. O Bruno me satisfaz e muito, mas o desgraçado me chupa de um jeito que, olha... Só falta eu convencê-lo a engolir no final pra ele digievoluir completamente, mas isso é questão de tempo; a gente chega lá.

No mais, é isso. Vim só te informar que estou vivo e bem tratado em todos os sentidos. Por enquanto não precisa se preocupar comigo, mas, se esse cenário mudar, eu venho aqui te informar e você volta a rezar por mim, combinado? Então tudo certo. A gente se fala em breve. Boa noite e até lá!

Vincent (romance gay)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora