Entrada XXX

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E aí, caderno?

Tô vivo. Sobrevivi a anteontem afinal, eu acho. Minha cabeça continua embaralhada, contudo. Hoje resolvi ligar pra minha mãe e explicar (parte d)o que rolou lá na festa. Tive que inventar toooda uma história até levá-la a acreditar que a filha da dona Isabel era minha colega de trabalho lá na farmácia e me chamou pra acompanhá-la no casamento do primo porque não tinha ninguém pra ir com ela. Acho que fui convincente o bastante. Agora, explicar de onde tenho tirado dinheiro pra me sustentar foi mais complicado. Falei que consegui um estágio remunerado com horários flexíveis na faculdade, isso porque ela nem sabe que há um bom tempo que eu não vou à faculdade. Da última vez que tocamos nesse assunto, inventei que estava fazendo serviços de office boy prum escritório. Tá ficando difícil manter essa vida secreta em segredo. Pelo menos ela tá acreditando no que eu digo. Por enquanto. Eu acho.

Hoje ainda não aconteceu nada de preocupante ou extraordinário. Falei com o Paulo por mensagem durante a tarde e quase contei o que aconteceu comigo e o desgraçado na festa... É que nós não temos intimidade pra tanto; fiquei sem jeito. Eu queria ter contado é pro Bruno, mas, desde que ele começou a se envolver com esse tal de Miguel, eu perdi a vez. Agora é cada um no seu canto. A gente não tá de mal nem nada, não, mas, pra você ter ideia, depois do nosso último beijo, no aniversário dele, a gente não se encostou mais, tipo de jeito nenhum. Ontem, fui dar um beijo de boa noite e o filho da puta virou o rosto, acredita? Beijo na bochecha mesmo, como eu sempre faço desde antes de mudar pra cá. Virou a cara. Vê se eu aguento isso. Fiquei puto na hora, mas depois fiquei triste. Preciso fazer novos amigos e responsabilizar outras pessoas pela minha carência, que com o Bruno eu não posso mais contar. Sabe o que eu fiquei com vontade de fazer mas não fiz porque sei que seria de uma filhadaputice sem tamanho? Ir atrás do Felipe. O moleque tá/é a fim de mim e certamente me daria a moral que o Bruno está me dispensando. Só não fiz isso por respeito. Ok, ok, cometi meio crime, vai: adicionei o Felipe no Face. Mas até o Bruno tem o cara lá; eu também posso (ele não aceitou ainda).

Tirei esse final de semana pra descansar. Agora há pouquinho, enquanto eu digitava aqui mesmo, Paulo mandou mensagem falando de um filme que vai estrear semana que vem e ele quer ver... O cara é esperto, né? Fala sério. Não respondi ainda, mas já entendi o recado. Gosto disso, caderno; de gente que é suave na paquera. Eu recebo cada cantada absurda no Face do Vincent, que, olha... Fico feliz quando rola um flerte sutil. Só que tem uma coisa, né? Aliás, duas. Duas não: três! Primeiro: eu meio que não estava esperando que o Paulo quisesse algo comigo; primeiro porque ele sabe da minha profissão e segundo pela circunstância em que a gente se conheceu. Segundo: Paulo é dezesseis anos mais velho que eu. Dezesseis anos é uma vida, cara! E terceiro: eu ainda preciso ir pra uma montanha me sentar e refletir sobre a minha vida sexual/sentimental. Olha quão gay eu tenho sido e, principalmente, olha o quanto isso não tem me perturbado nem um pouco! Você me vê reclamar de alguma coisa? Me vê dizer que estou em crise aguda de identidade? Vê eu reclamar que praticamente não transo mais com mulher? Caderno, o meu nível de não-importância tá preocupante; preocupante a ponto de eu considerar que ligar pro Felipe e transar com ele seria uma ótima ideia. Não é só por ser um cara, mas por ser o Felipe (e o Bruno, e o Bernardo, e até o desgraçado!)! É claro que eu sinto tesão por mulher — e muito! —, mas a ideia de transar com caras já ficou tão trivial na minha cabeça que é como se isso fizesse parte de mim. Será que eu tô virando bissexual? Apesar de que: eu sinto tesão com uns caras (não são todos, esclareço), mas não consigo me ver em um relacionamento com um, nem com o Bruno, que é a criatura que eu mais amo nesse mundo. Ok, com o Bruno talvez, mas nosso amor é fraterno; tô falando de amor romântico, tipo ele e o Otávio (que de românticos não tinham muito)... Sei lá. E não saber não me preocupa: o que preocupa é esse não-preocupar. Fez sentido aí? Estou cada vez me identificando mais com o cara do site pornô (eu falei isso aqui? Acho que sim) que diz que gosta de mulher mas não se importa de fazer sexo com homens por dinheiro. A diferença é que eu não estou me importando em fazer sem dinheiro.

Mas, então, voltando ao Paulo: apesar do que eu disse, se ele quiser mesmo me levar pra cama, não me incomodo. O papo pós-sexo dele deve ser muito bom. E ele ser mais velho também é boa coisa, por um lado: acho que sinto falta de uma figura paterna. Convivi muito pouco com meu pai... Às vezes sinto falta dele, mas eu era criancinha quando ele faleceu; não tenho tantas lembranças. Em todo caso, vou esperar o Paulo voltar a falar desse filme pra ver se a gente vai no cinema mesmo ou se foi tudo uma grande coincidência. Pelo sim, pelo não, espero que a gente acabe se tornando amigo. Sei que, se não fosse ele, teria sido outro a me achar lá no chão e ligar pra ambulância pra me socorrer, mas, ainda assim, me sinto extremamente grato pela atitude e por ele ter procurado saber como eu estava depois; por ele ter ligado pro Bruno pra saber meu número e tal... Bacana demais da parte dele. Vou ficar no aguardo e, como sempre, qualquer update, venho te contar.

Agora deixa eu parar por aqui que hoje eu tirei o dia de folga e quero fazer nada, e “nada” inclui não escrever muito em você, hehe. Fica na paz, tá? Um abraço!

Vincent (romance gay)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora