Entrada XXIX

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Oi

Preciso encontrar uma mensagem semipronta pra deixar aqui quando alguma coisa chocante acontecer. Eu fico olhando pro teclado e pensando no que digitar pra expressar o meu espanto ou a minha indignação, mas nunca consigo. E preciso procurar uma mãe de santo ou algum tipo de consultor espiritual pra descobrir o que é que tá acontecendo comigo, porque, olha, é uma bomba atrás da outra. Dia desses o Inesperado fez uma surpresa; ontem ele fez outra, das grandes, de fazer cair pra trás.

Ontem foi o dia do casamento da neta da dona Isabel, como eu disse na última vez em que estive aqui, lembra? Pois então. Tudo acertado, arrumadinho, bonitinho e em seu devido lugar. A cerimônia estava prevista pra começar às 18h e a festa, às 20h. Dona Isabel fez questão de que eu fosse nos dois eventos (comida e bebida de graça é sempre bom). Nos encontramos na Mesquita; ela tava toda fofa: de vestido branco florido, cheia de joias e sem óculos. A filha dela tava mais perua, mas também ficou bonitona. E eu belíssimo, de terno e gravata. Fomos pra cerimônia, que aconteceu na catedral da cidade. Um monte de gente, lá, esperando pra entrar, outros já entrando, e todo mundo olhando pra dona Isabel, desfilando comigo como se eu fosse um troféu, toda soberana. Achei um barato. E todo mundo que vinha cumprimentar perguntava admirado: “Quem é esse rapaz?”. Eu só sorria e deixava ela me apresentar como “um amigo”. É estranho estar na companhia de alguém que conhece todo mundo em um lugar onde você não conhece ninguém. Fiquei em silêncio a maior parte do tempo. E a velhinha andava pra lá e andava pra cá e todo mundo vinha falar com ela, até que ela foi até o avô da noiva cumprimentá-lo. “Como vai, Antenor?”, ela perguntou com um sorriso que ia de uma orelha à outra. Muito bonitinha, ela. E o coroa (que também tinha uma carinha de vovô) me mediu de cima a baixo umas três vezes com a cara fechadíssima antes de responder. “Esse aqui é o meu amigo Vincent”, ela me apresentou. “Tudo bem, seu Antenor?”, cumprimentei, também sorrindo, participando da cena. O ciúme do velho ficou estampado na cara. “Eu vou bem”, ele respondeu, seco. E dona Isabel continuou: “Como está linda a igreja! Adorei as flores!”, toda dissimulada, pra irritar o coroa, que me media o tempo todo, certamente se perguntando quem eu era e o que eu estava fazendo ali. Eles conversaram durante um tempo e logo nós fomos procurar um lugar pra sentar.

Ficamos em uma das fileiras do meio, mais perto do altar do que do fundo. “Você viu como ele ficou com ciúmes?!”, ela sussurrou no meu ouvido, toda empolgada. Fiz que sim com a cabeça, rindo. Estávamos de braços dados desde que descemos do carro. “Por que vocês não fazem as pazes de uma vez?”, perguntei. “Ah. Coisa de velho, meu filho. Quando você for, você vai entender”. Ainda falta um tempo até eu ser, então me contentei em ficar sem saber por enquanto. Passados uns quinze minutos depois das 18h, a marcha nupcial tocou e a noiva entrou, acompanhada do pai. Era bem bonita, a menina. “Menina”. Devia ter uns trinta anos, no máximo; era nova. O noivo não era lá grandes coisas, mas qualquer um fica ajeitado de terno e gravata. Dona Isabel em dois tempos começou a chorar, emocionada. Acho engraçado gente que chora em casamento. É bonito e tal, mas sei lá, não me emociona, ainda mais porque eu não conhecia ninguém ali. Mas foi bonita, a cerimônia. Meio tedioso ficar sentado por mais de uma hora ouvindo o padre falar, mas foi bonita, sim. As flores eram bonitas, mesmo, dona Isabel estava certa.

Acabada a cerimônia, lá pelas sete e meia, todos foram saindo da igreja e indo pros seus respectivos carros pra ir para a festa, que seria em um salão de eventos que eu já tinha ouvido falar, mas não sabia onde era. “Você fica pra festa, tá?”, dona Isabel reiterou. “Claro”. Esperamos a filha dela aparecer pra guiar o carro e fomos. Durante o caminho, foram me contando uns pedaços da história com o Antenor. Realmente: coisa de velho. Pelo que ela dizia, ele é daqueles coroas ranzinzas e, por mais que eles se gostassem, ele não voltaria atrás. Só fiquei por entender o motivo de eles terem se separado, em primeiro lugar, mas não fiquei fazendo perguntas pra não parecer intrometido, afinal eu estava ali a trabalho. Ah, ela me pagou também, durante o trajeto. Pagou mais do que o combinado, aliás. Coisa boa é cliente generoso.

Vincent (romance gay)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora