Capítulo 35 - Invertendo o jogo

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Emmanuelle cirandava por entre as mesas, seus braços balançavam no ar como meras plumas. Poderia dizer-se que seus movimentos pareciam mais uma dança do que um simples caminhar. E se ela fosse afinada, talvez se tivesse atrevido a cantarolar.

Os clientes olhavam para ela com alguma estranheza. Não conseguiam encontrar a Elle ranzinza das últimas semanas. Bem que diziam que um milagre nunca vinha só, pensaram alguns dos homens que a fitavam absortos. Mas o mesmo se poderia dizer das tragédias, e disso não se recordaram eles.

− Aqui está a vossa dose de amendoins – comunicou a garota ao colocar a tigela sobre a mesa.

− Mas... − LeFou perdera a fala. Seu cérebro estava mais confuso do que o normal. Ele olhava alternadamente para a garçonete e os amendoins, procurando uma explicação para tamanha bondade.

Gaston pedira a sua dose de amendoins na segunda, e LeFou na terça, o que significava que teriam de ficar o resto da semana sem o privilégio de comer aquele alimento que lhes sabia sempre tão bem. Porém, ali estava um outro milagre acontecendo no único e clandestino bar de Villeneuve.

− Se não quiser, eu coloco noutra mesa – assegurou Emmanuelle, pegando de novo na tigela.

− Não! – bramou LeFou, se lançando sobre a mesa como sua vida dependesse disso. A garçonete se afastou assustada com os movimentos toscos do homem, deixando a tigela indefesa para trás. Gaston mantinha seu olhar indecifrável focalizado no vazio à sua frente, alheio às figuras exageradas do amigo.

− Quase que ficava sem dedos – reclamou Elle ao voltar costas à mesa. Mas um sorriso logo fez as sobrancelhas bem arranjadas da moça voltarem ao lugar. Seus olhos se encontraram com os do príncipe através do televisor e ela voltou a divagar sobre seu futuro risonho ao lado de Elroy Morfrant.

Com o anúncio feito pelo príncipe naquela tarde, sobre a possibilidade de uma nova seleção vir a ter lugar em Villeneuve, Emmanuelle se sentia nas nuvens, convicta de que sua vida iria mudar para melhor. Seus pais não teriam mais por que reclamar e se sentiriam, por fim, orgulhosos da sua única filha.

Uns chuviscos cinzas ocuparam o televisor e um barulho estridente e monótono substituiu a voz do príncipe. A entrevista que passava em repetição cessara sem qualquer aviso prévio.

Ninguém reparara, mas Gaston ergueu seu queixo quadrado e sua postura se tornou reta na antecipação do momento por que tanto aguardava. Seu peito cheio de ar mostrava uma exacerbada confiança. Aquela era a posição de um vencedor, antes mesmo de marchar rumo à batalha de sua vida.

Quando o ecrã foi preenchido pelo rosto do simples motorista das fábricas, todos os presentes no bar suspiraram em estupefação, à exceção do próprio e de seu amigo. Sentados na mesa do canto, os dois trocaram um sorriso cúmplice, sem se intimidarem, por um segundo sequer, com o peso dos olhares curiosos dos homens que os cercavam.

− Caros cidadãos, − saudou a versão gravada de Gaston através do televisor daquele bar, − homens e mulheres como eu, de carne e osso, dignos de muito mais do que esta província nos oferece. Porém, a família real diz-nos constantemente que somos inferiores a eles, que nosso sangue é de estirpe diferente. Nos dão o mínimo dos mínimos para que nos mantenhamos vivos e nada mais! Não se enganem, isto não é viver e ELES não são superiores a nós!

Um silêncio pesado caiu em toda a redoma. Todas as aldeias de Villeneuve aguardavam em suspenso pelo desenvolvimento de um discurso que os tocava diretamente na alma.

− Até agora temos curvado nossas cabeças para o chão, ouvindo e obedecendo cegamente a pessoas que julgamos terem nascido para nos comandar. Mas se o sangue deles é diferente, vos garanto que não é para melhor. Eles, toda a família real, não são pessoas, mas antes monstros. – Sussurros inquietos se espalharam por todo o bar. Gaston observava atentamente o efeito das palavras gravadas naquela tarde. Os olhos, escuros como a noite, brilhavam de orgulho próprio. – Monstros! – repetiu o televisor uns decibéis acima do suportável.

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