Capítulo 12 - Almoço em família

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Na mesa da sala de refeições, encontravam-se os reis e o príncipe de Villeneuve. Sobre a superfície de madeira repousava um elegante tecido vermelho, protegendo-a de eventuais acidentes, que nunca chegavam realmente a acontecer. Nunca, durante o reinado de Keandre, um copo cheio se havia vertido, uma concha se havia virado antes de chegar ao seu destino ou talheres usados haviam decaído da borda do prato.

Naquele dia, tal como em todos os outros que lhe antecederam, os copos finos de cristal brilhavam sob o candeeiro central, que derramava a sua luz apesar de o sol brilhar intensamente lá fora. Os talheres tinham de ser sempre de prata, porque o rei não poderia ter a sua comida tocada pelo reles metal. E os três pratos por pessoa eram de um branco reluzente que, se vazios, refletiam o rosto de quem se debruçasse sobre eles.

Para além da família real, pelo menos três criados teriam de estar presentes na sala para os servir. Madame Potts só costumava aparecer no início da refeição para anunciar a ementa e desejar que se deleitassem com o que havia preparado. O gosto requintado do rei, fazia com que a pobre mulher não pudesse repetir nem um único elemento durante a semana. Se fizesse uma sopa de cenoura numa segunda, esse alimento laranja nutritivo só poderia vir a constar da ementa na semana seguinte. Era uma obsessão estranha, um desafio complexo a que a criada soubera responder sempre com mestria.

À cabeceira ficava inquestionavelmente o rei, que era o chefe, não só daquela casa, como de toda a província. A rainha ficava à sua direita, por ser o seu apoio mais próximo na tomada de decisões, mas, na prática, a mulher nunca havia aberto a boca para acrescentar sequer uma vírgula à regência do marido. O príncipe ocupava o lugar à sua esquerda, por ser o herdeiro ao trono e aquele que viria um dia a sentar-se à cabeceira daquela gigante mesa com cadeiras a mais para uma família tão pouco numerosa. Do lado do príncipe, obviamente à sua esquerda, sentar-se-ia a sua futura mulher, que já havia sido escolhida, porém ainda não lhes tinha dado a graça da sua companhia.

Elroy pedira para a chamar assim que percebera que ainda não se encontrava na sala. Não é que estivesse com disposição de a ver depois daquilo que acontecera ontem, mas os pais não poderiam desconfiar de nada. Se a garota não descesse, o pai não perderia tempo a colocar todas as culpas nas suas costas. Ele não poderia voltar a errar. Naquele momento, tamborilava os dedos no espaço vazio entre o seu prato e o da futura esposa, inquieto com a demora.

A perna do rei tremelicava debaixo da mesa. O resto do corpo permanecia inalterável, como se estivesse a pousar para um retrato. Desse modo, os seus únicos familiares não poderiam nunca adivinhar o estado nervoso em que se encontrava depois de saber que a seleção era um processo falível. E o atraso da jovem só piorava ainda mais a situação.

Impassível, alheia às preocupações que toldavam os dois homens da sua vida, a rainha enrolava uma mecha do seu cabelo loiro entre os dedos. Dedicara meia hora para fazer uns cachos perfeitos, mas esquecera-se daquela porção que apenas se ondulara. Não que fosse visível, de qualquer modo.

Ao fim de quase dez minutos de espera, Lumière apareceu de braço dado com Liberty. A jovem deixou os dois homens, sentados à mesa, de queixo caído. Não pela sua beleza estonteante, e sim pela sua escolha de indumentária. Big Ben, o mordomo da mansão, que observava tudo do seu lugar privilegiado junto à porta daquela enorme sala, agarrou-se ao órgão acelerado que lhe parecia querer fugir do peito.

O vestido que cobria a pele clara da futura princesa era simples. O detalhe mais elaborado apresentava-se ao nível dos ombros, encobertos por umas curtíssimas mangas que davam a impressão que estes eram maiores do que na realidade eram. Nesse ponto, o tecido brilhava sobre a luz artificial daquele amplo espaço sem janelas. O decote era retangular, destacando-lhe uma grande parte da pele acetinada que se estendia em torno do pescoço. Dois pequenos triângulos de pele apareciam, sem razão aparente, por baixo do seu pequeno peito. Talvez provocando o observador a imaginar o que seria revelado se estes se estendessem um pouco mais para cima. O tecido caía depois cobrindo-lhe o resto da pele, não lhe vincando o corpo, porém parava muito acima do joelho para aquilo que seria expectável para uma princesa. Uma palma estendida era a distância que faltara ocultar de olhos maliciosos. Contudo, o aspeto mais dramático da situação era o tom totalmente negro da vestimenta.

A Bela RedomaWhere stories live. Discover now