Capítulo 26

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Iracema, deitada, não estava em condições melhores que as dele. Seus olhos ardiam de tanto chorar. Ela só tinha medo de ser preterida de novo. De ficar pior de saúde e com o coração esfarelado esperando conserto. Doeu demais quando o outro foi embora, quem garante que este ficaria?

Seu ex-noivo, lamentando Iracema ser doente como sua mãe, a traumatizou. Enfiou dados técnicos, científicos, explicando por A mais B os motivos de não querer se casar.

Moça nova, de trinta e um anos, com câncer, ela se lembra do jeito como ele falava, não vai muito longe. E ele era novo demais para ser viúvo.

— Você vai viver a vida inteira com essa doença, Iracema, eu sou homem, e quero filhos!

Preparada para um novo amor ninguém está, mas ela não podia fingir que Dênis não lhe fez falta. Não podia mentir as vezes em que se sentira segura só por saber que ele se importava, e não podia esconder a saudade que doeu.

Podia dissecar as vantagens e desvantagens, e tinha razão em fazê-lo, mas o Dênis também não tinha razão quando disse que não existe época boa para o amor?

E, por medo, vai impedir a própria felicidade? Dênis é lindo com esses olhos de duas cores, o jeito meio besta de falar, o riso solto. Não tem tempo ruim para ele, nem amargura que sempre dure. Alguma hora ele vai abrir a boca, falar abobrinhas, e quem estiver do lado vai cair na gargalhada.

E tem o porte atlético, robusto, que Iracema finge que não vê para não perder o ar. Anda ruim de respirar, com o bafo encurtado. Finge que não vê as mãos gigantes, o jeito como os músculos dos braços enrijecem quando ele põe o chapéu na cabeça e a imponência com que entra na sua casa como se fosse o dono do mundo inteirinho.

Dênis passa na rua e arranca logo cinco olhares compridos de moças entretidas com seus celulares. Ele sorri para a enfermeira, ou atendente, ou qualquer pessoa, e as moças sorriem maior.

Desse jeito esperançoso, sempre idiota demais, ele escorrega pelos espinhos e faz piada, sempre foi assim, é por isso que Iracema o deixou copiar seus exercícios de matemática e português, é por isso que ele é o único que permanece quando todos os seus amigos foram embora.

E ele está ali. A uma porta ou ligação de distância.

Por isso, se tremendo inteira como se fosse dia de teatro na escola, se levantou da cama, amarrou devidamente seu roupão e roeu os cantinhos dos dedos, ou, pelo menos o que restava deles, sem coragem de abrir a porta.

A hora em que somar coragem suficiente, não vai ser para quebrá-lo. O difícil disso é que ela não sabe muito bem o que dizer.

Mansamente, feito onça, forçou a maçaneta e sentiu o gelado do piso da sala sob os pés descalços. Ainda estava escuro, e tudo o que conseguia ver eram silhuetas.

Esbarrou nas botas dele, colocadas em frente ao sofá em que dormia, e ficou com medo de tê-lo acordado. Parada diante do homem, o coração, que não é menos louco que o dele só porque é menor, pulsava. Jorrava, em largos goles, pelo corpo todo. Iracema nunca se sentiu tão nervosa em toda a sua vida. Já foi mais alegre e mais triste que aquele momento, mas nunca esteve tão nervosa.

Um coração por CasalWhere stories live. Discover now