De volta ao mundo real

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--- Pietra, levanta. Seu primeiro dia de aula é hoje! Você já está atrasada. -- minha mãe me chamou pela quarta vez naquela manhã tentando disfarçar sua irritação com o pouco de paciência e carinho restante.

--- Tanto faz. Já estou atrasada sete anos.

     Ela respirou fundo.

--- Então não vai querer estar sete anos e um dia.

--- Tá.

     Me levantei, vencida pelo cansaço. Faz cerca de dois meses que saí do hospital. Meu quarto é o mesmo de sempre, todas as paredes brancas, a cama e o guarda-roupa marrom escuro e a cômoda num tom vermelho puxado para o vinho. Os brinquedos foram doados.  Sinceramente não me importo, essa seria a parte mais difícil de me desfazer sozinha já que sequer me lembraria da maioria deles. Minhas roupas tiveram o mesmo destino, minha família se encarregou de comprar tudo novo e de um estilo completamente diferente do meu. Mas a sensação é horrível.  Nada disso faz parte de mim. Durante todo esse tempo vivi em um universo paralelo. Sim, vivi! E toda a minha vida morreu quando eu despertei. Provavelmente Bel, Maria, Pedro, Oliver... Pensante, ou melhor, Dayan. Todos eles nem devem existir, até hoje nenhum deles veio me ver nem ninguém falou sobre eles. Como eu posso ter vivido tudo isso apenas em minha mente? É um vazio tão grande, exatamente do meu tamanho. Me vesti com o uniforme da escola, era para eu estar no terceiro ano do Ensino Médio, mas vou para o sexto ano do ensino fundamental, pra variar, ficar no meio da pivetada aguentando piadas estúpidas.

--- Vamos? -- minha mãe me deu a mão e não recusei. Tomei meu café num silêncio doloroso, eu simplesmente não consegui falar. Eu não queria comer, mas minha mãe literalmente me obrigou. Meu pai parece não ter ainda se acostumado. Eu também não me acostumei. Quem consegue se acostumar com uma coisa dessas? Ele me sorriu de leve e me abençoou. Dona Claudineide me levou de carro.

--- Pronta? -- me perguntou quando chegamos.

--- Não, não estou pronta.

--- Pronta ou não, eu estou aqui com você e tudo correrá bem. -- me deu um beijo na testa.

--- Obrigada. -- sorri para ela que me olhou confiante.

     Chegamos cerca de dez minutos antes para conversar com a diretora.

--- Bom dia. -- eu disse -- Sou Pietra.

--- Sim, flor, eu sei. -- cumprimentou minha mãe sorrindo -- Bom, eu pensei e repensei sobre o seu caso e cheguei à conclusão de que que você deve fazer uma prova para avaliarmos seus conhecimentos e ver se você está apta para séries mais avançadas que a que você parou ou se terá que regredir ou até continuar na mesma em que parou.

--- Por que não me avisou antes? Eu poderia ter estudado! -- soltei incrédula.

--- Porque vou avaliar o que você já sabe e não que você pode memorizar em pouco tempo.

     Ai, meu pâncreas. Até a minha mãe ficou calada.

--- Okay, pode começar agora.

--- Ah, claro. -- bufei.

     Ela me avaliou da cabeça aos pés.

--- Sente-se em minha cadeira tem até o final da manhã. -- colocou na minha frente caderno de provas e ao lado, o gabarito. -- Pode começar.

--- Vai dar tudo certo, filha! -- sorriu tentando inutilmente esconder o nervosismo -- Eu posso falar com você? -- Dona Claudineide se dirigiu à diretora.

--- Bem, me desculpe, mas não. Eu estou substituindo temporariamente a diretora, não tenho autoridade para fazer nada de fato. Inclusive, antes de tirar a semana de férias deixou tudo do caso da Pietra resolvido. Por isso, peço que espere até que ela retorne. E bem, quando a sua filha terminar a prova entro em contato para que busque-a, creio que tem que trabalhar, não é mesmo?

--- Sim. Tenho que trabalhar. Pietra, me liga quando precisar que eu te busque, boa sorte! -- mandou um beijo no ar e saiu.

     A diretora se sentou no sofá de canto e foi ler um livro, 'Psicopata: Desespero', mas não fica escreveu. Sei lá, curti a capa.

    Preenchi o cabeçalho. Tá, lá vamos nós. Número um. Mano. Mano, mano, mano. Que droga é essa? É a mesma prova! É a mesma do dia que incendiei a sala da diretora! Ah, porcaria.

Ordens Macabras do Meu SubconscienteWhere stories live. Discover now