Dia 30 de agosto de 1989 - Parte 2

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Alguns dizem que a música Hey Joe é de autoria de Billy Roberts, mas ainda existem discussões a respeito da sua verdadeira origem e, por isso, ela não possui direitos autorais, tanto que já foi regravada por várias bandas e acabou se tornando um ícone do rock norte-americano e hoje faz parte da cultura local. Conta a história de um homem, Joe, que encontrou sua mulher o traindo com outro cara, o cara que ele vai matar um tempo depois. No fim da música, depois de cometer o assassinato, ele foge para o México, fugindo do "carrasco".

Se pensar bem, nem é uma história tão bem bolada, é, infelizmente, bem comum e era essa a música que tocava no rádio, pelo Jimmy Hendrix, enquanto acelerava para longe da mansão e de todos aqueles que eu dizia serem as melhores companhias que alguém poderia ter. Fui embora sem dizer adeus ou até logo. Só entrei no Porsche e fugi para o meu principal objetivo naquele momento, como Joe correu atrás daquele que pôs um par de chifres na sua cabeça. Cego.

Eu arranjei um pedaço de pano preto bem comprido que usei para cobrir todo o meu rosto até a nuca e, a extensa parte que restou, enfiei para dentro da camisa desbotada, sendo que ficaria difícil me identificar, mesmo para alguém que me conhecesse há anos, mas, enquanto dentro do carro, mantive ele abaixado. Sem dúvida eu não faria nada de bom. Se as ruas estavam vazias antes, agora se podia dizer que não haviam nem carros nem pessoas, muito menos nos bairros pelos quais passei tentando evitar o Centro da cidade. Mal notei que dirigia há quase uma hora antes de estacionar o carro em frente à mesma casa na qual estacionei dois ou três dias antes: a minha. Parecia tranquila, com as janelas e cortinas fechadas e o silêncio que fazia no bairro como um todo, mesmo sendo ainda umas quatro horas da tarde.

Até que comecei a sentir um medo repentino. Acabei sendo levado, mais uma vez, para aquele lugar, por ter me deixado ser facilmente movido pelos meus impulsos mais primitivos e agora não fazia ideia de como arcar com as consequências do que eu planejava executar em seguida. Sabe quando se vai fazer uma prova importante, se prepara para ela durante meses, chega mais cedo, mas sente uma dor de insegurança no estômago? Era isso que eu sentia e me deu vontade de voltar para trás. Mas aí saquei o quanto aquilo era importante para mim e continue parado em frente à casa por mais alguns minutos, esperando algo acontecer.

Eu já comentei momentos atrás sobre meu principal vício, o porque dele não importa para a história, mas havia sido por conta desse fato que, naquele dia, como em vários outros, eu não estive presente. E eu me arrependi amargamente. Disso você já sabe e eu não sei por qual motivo estou adiando tanto assim o fim da história. Acho que não sei ao certo por onde começar...

Bom, depois que as músicas terminaram, eu desliguei o rádio e tentei me concentrar numa Brasília que acabou de estacionar um pouco à frente da onde eu esperava, num outro quarteirão. Eu estava quase que totalmente só ali então não era muito difícil eu me distrair por qualquer coisa, ainda mais com dois homens de jaqueta preta e botinas gastas que vinham na direção do imóvel, um deles com o rosto tapado. Recordei das marcas de lama no formato de botinas pelos arredores da casa. Depois percebi que, um dos dois, o que usava a máscara, trazia algum objeto debaixo da manga da jaqueta, enquanto que o outro fumava um cigarro, sem a máscara. Em momento algum eles trocaram palavras entre si, mas o do cigarro parecia murmurar algo. Notei que, o mesmo que sussurrava, tinha um volume na cintura, que estava coberta. Me lembrei dos furos no rosto e corpo de Michele causados por um revólver qualquer.

Desviei o olhar, mas não pensei duas vezes para abrir o porta-luvas e pegar a semi-automática. Olhei para ela por alguns minutos e a apoiei no volante do carro, mirando no painel. Não sei muito sobre armas, só o que vi nos filmes, então puxei o ferrolho na esperança de que ela fosse carregada. Respirei profundamente umas três ou quatro vezes e, quando voltei meus olhos para a porta de entrada, vi que o que tinha o rosto coberto acabava de quebrar a janela da porta basculante com o pé de cabra que guardava debaixo da jaqueta e que o outro jogou o cigarro no asfalto e colocou seu disfarce, bem despreocupado com qualquer um que pudesse estar vendo. Aposto com você que me senti como o James Stuart no Janela Indiscreta. Mas, por fim, contrariando Hitchcock, levantei o pano negro para cobrir minha face até a altura das bochechas, fortaleci o nó e me levantei do carro.

Depois de NósWhere stories live. Discover now