Dia 08 de junho de 2005

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Troquei meu roupão por uma blusa preta, uma calça e uma jaqueta jeans, um tênis velho que achei no armário e não me esqueci do meu Walkman. Desde que ganhei ele, nunca mais larguei, apesar de estar trincado, sujo, cheio de durex para fixar as bordas e com uma antena um pouco torta, para mim ele é a parte mais importante de toda a história e um motivo forte para eu querer voltar. Depois, peguei minhas anotações amassadas e manchadas de óleo, que mais pareciam papel higiênico, tranquei o quarto, saí de casa e encontrei Tomás. Eu deveria ter ficado mais tempo lá dentro.

Ele estava me esperando sentado no banco de trás de um velho, mas completamente reformado, Porsche 356, preto, um clássico. Formava um grande destaque com meu bairro, inundado pelas propagandas políticas e por sacos de lixo. As perguntas a respeito do senhor Baltazar ainda percorriam minha mente. Como o nome de um homem tão rico poderia passar em branco? Ou por que ele permanecia anônimo? Por que gastaria uma grana alta em projetos científicos secretos sem futuro algum? Era o que eu pensava até ali.

- Não precisa vir se não quiser. – Ele abaixou a janela do carro.

Não me lembro se foi bem isso que ele falou, só me lembro que me sentei ao lado dele no banco de trás um pouco desconfortável, como quem veste um casaco de couro pela primeira vez. Estava lá também um motorista vestindo um terno e luvas pretas de couro, que não disse uma só palavra durante todo o percurso, que foi bem longo. Mas Benito estava acostumado a falar.

- O que está te incomodando, senhor Viana?

- Você me chamar pelo meu sobrenome. - Não costumava trocar olhares com as pessoas que eu insultavam, mas o sorriso bobo do garoto era realmente hipnotizante.

- Claro. – Achei que estava conseguindo fazê-lo desistir de falar – E o que mais?

- Esse carro e o banco de couro.

- Acho eles bem confortáveis. Porque te incomodam? – Ele não pararia tão fácil.

Tentei deixar ele pensando no que eu diria por um tempo, talvez até chegarmos na Corporação, mas ele não tirava os olhos de mim. Tinha os olhos brilhantes de um sonhador, bochechas grandes e rosadas e quase nenhuma barba, era ainda uma criança ingênua. Eu tenho olhos escuros e secos, bochechas ásperas e uso gilete duas vezes na semana. Éramos grandes antônimos. Percebi que explorar aquilo que você não conhece pode ser tão divertido quanto ficar em casa sozinho, só teria que saber aproveitar. Mas não antes de cinco minutos de silêncio.

- Antes de sairmos, você me disse que esse projeto seria uma grande oportunidade pra mim e que conhecia todo o meu trabalho, que era um grande fã.

- Sim, eu disse e repetiria. – Sorriu mais uma vez.

- O que me incomoda não é o carro – Pausa -, o que me incomoda é que você arrumou a casa pra me convencer a entrar, e isso eu não suporto.

- Mas eu perguntei se você queria entrar.

Sorri porque sabia que ele estava certo. No fundo, era um adulto que tinha as respostas para as melhores insinuações, não faria mal à uma mosca, mas tinha uma língua treinada. O que mais me preocupava era o seu chefe.

- Me conta sobre o seu chefe.

- A família Baltazar é dona de metade da cidade e está envolvida em metade dos negócios governamentais. Marcos Baltazar é um homem de muitos contatos, muitos nomes, muitos rostos, em muitas notas diferentes: uma empresa fantasma.

- E porque não me disse antes? – Já sabia a resposta.

- Não posso deixar a casa suja quando estou esperando visita.

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