Dia 08 de junho de 2005

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Nunca tive muitos amigos. Nunca suportei a hipocrisia das pessoas. Como a maioria delas limpa melhor sua casa quando esperam visita e deixam a casa suja quando não esperam ninguém. A falsa imagem que elas vendem é detestável. É como fingir ser famoso quando se é apenas um fã, ou dizer ser religioso, mas não saber rezar, quando deveriam se esforçar para ser o que dizem ser. "Fingir é mais fácil do que ser". Essa nunca foi minha virtude.

Também nunca fui religioso, sou ateu, na verdade. Meus pais são católicos fervorosos, mas não me lembro da última vez em que fui à igreja. Acho que o que me fez desistir não foram experiências ruins com Deus, nem uma birra por não ter ganhado o brinquedo que pedi quando criança. Os grandes culpados foram os homens, afinal nós somos imperfeitos e nada que seja pregado ou criado por nós será perfeito. Nunca confiei neles, já que o mesmo que prega palavras de paz pode espalhar ódio.

Na verdade, sou físico, sempre fui fascinado pelas teorias dos físicos, e, se um dia houve algo em que realmente acreditei, foi na física. Ela era minha vida, minha amante, meu consolo de uma vida de desconfiança, como uma partida de futebol: muitos físicos, uma única teoria e um gol. E, o meu gol, era comprovar minha teoria, com um consequente prêmio Nobel, dinheiro e fama para o resto da vida. Mas não era tão simples quanto futebol. Sempre driblei muitos jogadores e era o que mais fazia embaixadinhas. Era o melhor no que fazia, mas nunca marquei um gol. Até aquele dia.

Eu trabalhava sozinho há dezesseis anos, concentrado em um projeto que já estava me deixando entediado e ainda não havia marcado um gol, mas era cedo para desistir. Passava meses sozinho em casa, sem contato com o mundo lá fora ou com a construção do maldito prédio em frente à minha casa, o cheiro de comida estragada e de poeira nos cantos da sala e no escritório eram os únicos perfumes que eu experimentava já havia um bom tempo. Meu cabelo estava grande e passava dias sem um banho. Um salgadinho humano. Começava a pensar se realmente valia à pena todo aquele esforço sem resultado.

Me sentei no meu sofá velho, abri um refrigerante e um saco de chips, liguei a TV num canal qualquer de bichinhos, tirei os sapatos dos pés e o cabelo dos olhos e comecei a revisar mentalmente minha tese, calado. Até que alguém tocou a campainha. Continuei jogado no sofá, não movi um músculo, ignorei a interrupção e continuei a pensar. Minhas economias de vinte anos suados de trabalho estavam indo pelo ralo, e logo não conseguiria pagar minhas contas. Sem programas de bichinho, casa ou coca e chips. Talvez um ajuste no cálculo do tempo, ou no gasto de energia...Mais uma vez alguém tocou a campainha. Pressionou a campainha.

- Já vou, já vou. – Falei para mim mesmo.

Levantei, contra a minha vontade, do sofá. Esbarrei o pé na lata que derramou no chão. Mais um toque da campainha. Talvez fosse minha mãe, mas eu não atenderia de forma carinhosa. Quase três semanas sozinho em casa, vivendo como um cão num canil, uma tese sem futuro, minha conta bancária falindo e um fã apressado na porta da minha casa que cheirava à refri, poeira e papel. O que mais eu poderia querer?

- O que foi? – Falei, abrindo a porta da forma mais ignorante possível.

Na minha frente, um rapaz baixo e gordo, secando o suor com uma toalha e estendendo a mim a mão direita. Acho que ele queria que eu retribuísse o gesto, mas mantive minha cara de poucos amigos e não o cumprimentei, apesar de ele insistir em pegar minha mão e repetir como um disco arranhado "é uma grande honra". Pelo menos conhecia meu trabalho. Não o convidei a entrar, mas ele entrou mesmo assim, tirou os sapatos gastos e se sentou no meu lugar.

- Coca! – Sussurrou, pegando a latinha caída no chão e tomando o resto que havia sobrado.

Passei um tempo olhando para meu visitante inusitado, até que percebi que ele realmente pretendia assistir ao programa de bichinho. Fiquei entre ele e a TV.

Depois de NósWhere stories live. Discover now