Dia 30 de agosto de 1989

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Prédios superlotados, ruas congestionadas, a fumaça dos ônibus cobrindo o céu antes claro daquela quarta-feira, homens de terno e gravata correndo apressados atrás de um táxi, vendedores ambulantes gritando para lá e para cá, carros fechando o cruzamento e, claro, as buzinadas.

- Não precisava ter passado pelos outros bairros.

- Estou nervoso.

- Isso te acalma?

- Bom, parece normal.

Tentei ignorar ao máximo os comentários mais confusos, por isso eu estou omitindo a maioria deles. Acho que já ouviu o suficiente do técnico por um dia. Pode ter certeza que, se esbarrar com ele por aí, vai reconhecer na hora. Nesse dia ele vestia um paletó cinza por cima de uma blusa social azul, mas as pernas traziam uma peça do pijama, além de calçar meias e sandálias.

- É uma ocasião importante?

- Com certeza é. – Estralou o pescoço.

Ele continuou nos levando ainda mais para perto do olho do furacão, até que comecei a perceber o que ele estava prestes a tentar fazer. Aquele olhar determinado e a pressa em se vestir revelou muito.

- Tomás, você não tem esse direito...

- Eu já conversei com você sobre isso. Se quer vir comigo vai ter que me apoiar.

- Mas está errado. Você está pondo não só a sua, mas todas as nossas vidas em jogo. Sabe que isso não vai alterar nada do que já aconteceu, vai ser só...ilusão.

- Olhou bem nos olhos de Carlos?

- Como assim?

- Já reparou em como eles brilham?

- O que tem isso?

- Isso pode não alterar o que já aconteceu, mas é um começo, Viana.

- Eu não vou participar disso, cara.

- Como queira, mas não vai atrapalhar também.

Benito acelerou o carro pelas curvas sinuosas do novo bairro em que tentava entrar. O barulho foi gradativamente diminuindo e os caminhos, encurtando. Os olhos daqueles que olhavam para o carro cresciam e chegavam até a apontar. Alguns anos depois ele seria uma relíquia e essas mesmas pessoas apontariam seus dedos para outros carros, e dali mais algum tempo para outros e assim por diante. De repente ele parou o carro, enquanto que um outro, prata, parado bem ao lado, na rua à esquerda, esperava uma oportunidade para poder entrar na rua em que estávamos estacionados. Dava para se ver nitidamente um menino uniformizado no banco do carona e um senhor de terno no do motorista. Não pareciam nada contentes.

- Então era esse o carro...

- Ainda podemos dar meia volta e fingir que nada disso aconteceu.

- Mas vai acontecer. Se eu não puder impedir.

- Mas você não pode, é essa a questão.

- Me escute bem. – Ele mantinha seus olhos fixos no carro prata enquanto ele fazia a curva. - Aconteça o que acontecer, se falar, mantenha sua voz calma e firme e suas mãos abaixadas, eles podem acabar se sentindo ameaçados. Tente não perder a calma.

- Eu nunca perco a calma.

- Excelente. – Abriu a porta do carro. Não me levantei. – Vai vir ou não?

Apesar das advertências e de todas as precauções que deveriam ter sido tomadas para que uma situação desse tipo não pudesse ocorrer, acabou se tornando inevitável que eu abrisse a porta daquele carro e me levantasse do banco incrivelmente confortável. Parece estranho, à uma primeira vista, eu ter me levantado, mas a curiosidade e a ânsia pelo "vou pagar para ver" eram exorbitantes. Somos seres movidos a base do desconhecido.

Depois de NósWhere stories live. Discover now