Para Ani o mundo passou a se resumir em três estados:
Frio intenso que penetrava em seus ossos, fazendo seu corpo tremer incessantemente.
Calor infernal que queimava suas entranhas, deixando-a sedenta e desidratada.
Sonhos e lembranças que eram o bálsamo quando estava perto de se entregar.
Ela passava por tudo isso em coma profundo, totalmente desacordada.
A primeira lembrança que surgiu foi de quando brincava no quintal de sua avó. Havia um poço d'água que sempre a intrigou e ela, vira e mexe, acabava perto dele. Entretanto, os adultos estavam atentos vigiando. Um dia conseguiu sair sem ser notada e correu feliz para lá. Queria entender porque aquele buraco no chão estava sempre cheio de água. Suas pernas eram pequenas e ela não alcançava a borda, então subiu na mureta e se debruçou. Enquanto olhava para a escuridão se sentiu tonta, desequilibrou e caiu. A sensação de medo e frio na barriga ainda estava presente em sua mente. Antes que atingisse o fundo, algo segurou o seu pé e a levou voando, pendurada de cabeça para baixo, de volta ao quarto.
- Da próxima vez vou deixar você sozinha lá no escuro - Cam ralhou com ela.
- Não vou mais naquele buraco, ele me tombou.
- Até que enfim, princesa! Cuidar de você é muito trabalhoso.
- Minha mãe falou que você não existe. Agora quero ver o que ela vai dizer quando souber que me salvou!
A lembrança sumiu quando seu abdômen começou a queimar e uma dor insuportável tomou conta dela. A escuridão a envolveu e Ani apagou.
Sonhou que estava à beira da praia. A água calma, de diversos tons de verde, fazia espuma quando encontrava a areia branca.
Três crianças brincavam ao seu redor.
- Mamãe, mamãe, olha que concha linda encontrei para a senhora!
Ani pegou o menino pela mão e o fez sentar em seu colo.
- É linda mesmo, Svartálfar.
Quando ele a olhou sorrindo, Ani reconheceu Faramir. Não que eles tivessem a mesma aparência, eram bem diferentes na verdade. O guerreiro que ela conhecia tinha cabelos e olhos escuros e as características daquela criança eram semelhantes às de Prateado, mas de alguma forma inexplicável sabia que era Faramir.
O frio chegou ao seu cérebro como se um milhão de agulhas estivessem perfurando-o. Ani tentou gritar, mas a voz estava presa em sua garganta. Um breu caiu sobre ela e tudo se acalmou.
Mais uma vez estava no quarto que usava quando ficava na casa da sua avó. Ian batia em sua janela. Ani abriu e deixou o menino entrar. Lembrava daquela noite, a noite em que quase deu seu primeiro beijo.
Ela viu Ian se aproximar e colocar as mãos em seus ombros. O coração batia frenético em seu peito. Quando seus lábios estavam quase se tocando, uma ventania invadiu o quarto tombando os quadros e enfeites no chão. Assustados, ouviram os passos de Anitta se aproximando e Ian fugiu pelo mesmo lugar que entrou.
Muito mais tarde, semi-adormecida, Ani pensou ter ouvido uma voz brincalhona dizendo:
- Dez anos não é idade para um primeiro beijo, princesa.
Ela reconheceu a voz de Cam.
Um calor insuportável a trouxe de volta e se sentiu queimar. Antes de entrar em combustão a escuridão tomou conta de tudo e Ani perdeu a consciência mais uma vez.
Acordou em uma tenda, deitada sobre uma cama de peles no chão. Um corpo quente encontrava-se às suas costas, o braço pesado apoiado sobre seu corpo, um dos seios envolvido pela mão do macho adormecido.
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SÉRIE NOTURNA - LIVRO 2: EU SOU A ESCURIDÃO (Completo - em revisão)
Fantasy*Obra registrada na Biblioteca Nacional. Todos os direitos reservados Finalizada, em revisão. Triste e magoada, Ani foge de Arvedui acompanhada pelo enigmático Cam, em direção ao Reino Sombrio. Não é nada fácil chegar às terras de seu avô, o rei Tu...