2

1.5K 80 0
                                    

- Mariana, está tudo bem?
Quando fui voltando devagar para o mundo senti tudo diferente.
Olhei para tudo e logo fui voltando a mim.
- Eu tive um AVC.
Disse baixo. Só estava eu Diana e o doutor Afonso na sala. Mateo se foi...
- Eu preciso que você fique bem paradinha, estou levando você para um eletrocardiograma mais aprofundado.
Assenti. Mas sem conseguir me conter chorei.
- Ele foi embora?
Doutor Afonso me olhou e assentiu desviando logo seus olhos de mim.
- Não minta pra mim. Me conte tudo sobre minha saúde.
Ele respirou auto e segurou minha mão quando algumas enfermeiras entraram no quarto.
- Mari, você teve um AVC do tipo isquêmico criptogênico, que é quando a causa do AVC isquêmico não foi determinada, mesmo após uma investigação extensa. Me entende?
Doutor Afonso apertou de leve minha mão.
- Mesmo eu sabendo que você tem lidado com noticias impactantes... Sua pressão esteve ótima desde que coloquei meus olhos em você.
Assenti.
- Vou continuar. Posso?
Assenti. Eu sentia que vinha coisas muito piores por ai... Por que?
Assim que entramos numa sala super equipada fui conectada a vários fios.
Estava tudo ótimo. Até que tentei levar a mão esquerda até um dos fios no meu colo.
Respirei fundo e tentei mais uma vez.
- Tudo bem?
Engoli em seco. Não derrubaria mais nenhuma lágrima...
Eu assenti para Afonso que me olhava atento.
- Mari, pode sorrir pra mim?
Ele me pediu e então eu fiz. Eu não sentia meu lado esquerdo...
- Pode levar sua mão esquerda até sua cabeça?
Antes de tentar eu neguei.
- Eu não consigo.
Disse entre um soluço e outro.
Então doutor Afonso foi até uma maquina de onde saia meus batimentos acompanhado ao vivo.
- Seus batimentos estão normais. Sua pressão se normalizou. Mari... Nos precisamos falar sobre complicações pós AVC isquêmico.
Assenti.
- Certo. Sua complicação se chama Déficit motor. Isso ocorre quando a área afetada pelo AVC é aquela responsável pelos movimentos do nosso corpo, sendo o lado esquerdo do cérebro responsável pelos movimentos do lado direito e vice-versa.
- Isso quer dizer que, alem de eu ter perdido meus movimentos da perna naquele acidente... Eu não posso mover o lado esquerdo da minha parte superior?
Disse baixo. Aquilo mais saiu como um suspiro. Doía no fundo da alma dizer em voz alta. Quando foi que minha vida começou a mudar para pior, tão rápido .?
- Não pense assim. Há uma porcentagem muito maior de você recuperar seus movimentos, tanto das pernas quanto sua parte superior. Isso só vai depender de você.
Assenti.
- Quando eu vou receber alta? Diana ainda esta aqui ou também foi embora? Pode ir lá fora e pedir que ela olhe apenas meus filhos..? Quero que ela me deixe. Ela não merece cuidar de uma aleijada para o resto da vida.
Doutor Afonso pacientemente respirou fundo e me olhou nos olhos mais uma vez.
- Mariana, você tem um grande anjo como irmã. Não a chateie com a sua fase de aceitação.
Ele caminhou até a porta e parou em seguida se virando pra mim novamente.
- Todos os dias dou notícias para pessoas. Todos esperam boas, mas nem sempre são... Lidar com elas não depende de mim, mas eu ajudo como posso... Vou falar com a sua irmã, pedir que ela te de um tempo. Vou indicar uma ótima fisioterapeuta do hospital e na próxima semana quero que volte aqui. Vou prescrever remédios para dor, e vou te indicar para uma psicóloga daqui também.
Assenti rendida. Diana não tinha culpa alguma do que aconteceu. Eu precisava lidar com aquilo.
- Tudo bem. Pode me indicar um enfermeiro? Diana não vai me aguentar.
Ele assentiu e me olhou mais uma vez.
- Volto em alguns minutos...
Ele disse e saiu.
Naquele momento minha mente viajava em vários momentos do qual eu fui feliz. A fase da felicidade se foi. Agora eu só preciso lidar com aquilo. Preciso criar meus filhos, os deixarem em boas condições... E então, eu poderia decidir adiante.

***
Diana entrou no quarto 2 dias depois pela primeira vez. Ela tinha olhos inchados e um rosto abatido.
- Eu amo você, resolvi te dar esse tempo porque acredito que não seja fácil lidar com isso tudo de uma vez. Mas agora acabou esse seu tempo sozinha. Acabou Mariana. Eu sou a dona da minha vida, e eu decido o que eu quero pra mim. Trabalho dia e noite por que vivo sozinha, minha vida é monótona e ridiculamente rotineira. Isso acaba hoje. Porque estou indo morar com você e aqueles dois pestinhas que eu amo.
Sorri já senti do lagrimas rolarem.
- Eu não quero merda de enfermeira nenhuma rodando na nossa casa. As únicas pessoas diferentes que vão pisar lá, será a sua fisioterapeuta e psicóloga. Faço crossfit e tenho a força de um caminhão.
Ela disse e no próximo segundo segurou a minha mão.
- Nós vamos vencer juntas Mari...
Assenti limpando os olhos.
- Me perdoa, eu vou tentar... Ser melhor, vou aprender a lidar com a minha nova vida. E juro que vou ser mais gentil...
Diana gargalhou e se abaixou beijando minha testa.

- Vamos concordar que gentileza nunca foi seu forte.
Ri junto com a minha irmã e então nos olhamos em silencio por uns minutos.
-

Doutor Afonso vai me indicar um fisioterapeuta e uma psicóloga. Vou pedir uma enfermeira pra nos ajudar... Você pode até fazer crossfit, mas vamos ser realistas. Vai ter momentos em que eu vou precisar de você, e ao mesmo tempo as crianças também.
Minha irmã assentiu e assim que abriu a boca pra falar alguma coisa, doutor Afonso entrou porta adentro.
- Como estamos? Tudo bem dona Mariana?
Sorri. Ele tem feito dos meus dias nesse hospital uma grande temporada num exército. Manda em mim como um sargento.
- Sim senhor sargento. Na mais perfeita ordem.
Ele me sorriu e olhou para minha irmã. Eu já tinha notado aquela troca de olhares mas resolvi deixar para um momento em que estivesse apenas eu e minha irmã.
- Se tudo ocorrer bem, vai pra casa no fim dessa semana.
Sorri já mais aliviada.
- Vou poder ver meus bebês?
Ele riu e assentiu.
- Como você aguentou ficar tão longe deles?? Imagino como esteja sendo, por que tenho minha bonequinha Liz. Por isso resolvi te fazer uma surpresa.
Ele caminhou até a porta e em seguida duas cabeças completamente loiras correram pra dentro do quarto.
- Mamãe...
Gritaram assim que me viram e eu só soube chorar. Toda a minha insegurança veio com força. Eu não poderia mais correr atrás deles. Não poderia mais brincar... Nem dirigir nos nossos passeios que tanto amávamos.
- Que saudade mamãe...
Natálie disse baixinho me abraçando assim que Diana os colocou cada um de um lado na cama comigo.
- Não. Eu que senti mais saudade...
Meu menino louco por atenção disse mais auto e abraçou meu lado completamente dormente.
Chorei beijando suas cabeças e sentindo o cheirinho bom dos seus shampoos de bebe.
- Eu senti a saudade maior que todo esse mundo todo de vocês...
Eu disse engolindo o choro.
Aquele não era um ambiente para duas crianças, então foi apenas uns minutos de abraços e beijos. Logo em seguida Diana os levou até a porta onde a mãe de Mateo estava.
Ela caminhou até mim e segurando a minha mão me olhou de olhos marejados.
- Estou cuidando dos meus netos como se fossem meus. Mateo foi um canalha. Eu não sei onde errei com aquele idiota do meu filho. Sei que ele te deixou num momento difícil... Mas quero que saiba que estarei aqui. Sempre.
Sorri agradecendo, ela sempre me ajudou sem pedir nada em troca. Se tornou minha segunda mãe já que a minha está tão longe que mal nos falamos.
- Obrigada. A senhora é muito especial pra mim. Notei que eles até deram um engordadinha.
Ela sorriu beijou minha testa e se foi. O clima não estava muito bom... Isso dava pra notar. Eu vou resolver tudo assim que sair desse hospital.

NOS MEUS BRAÇOS (Conto) Where stories live. Discover now