15. ESCURO, VERMELHO E PISCANTE

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EU PODERIA IMAGINAR que algo ia acontecer, estava dando tudo certo, sem imprevistos e perseguições desde o episódio das flores vermelhas de papel, e o namorado Tawaki da minha tia querendo meu pescocinho. No entanto ir para Slanfar sem ter problemas não parece uma realidade nesse exato momento. E aqui estou, na garupa da moto de um meio Vallir, sendo visivelmente ameaçada por um homem, que acredito não ser um comum humano, por que pelo nervoso de Ylior, a coisa é seria.
O meio Vallir desceu da moto e ficou na minha frente, tapando a minha visão.

— Passe para frente, coloque o capacete —o escutei sussurrar.

Rapidamente passei para a parte do motorista, tentei ser discreta pois Ylior estava praticamente me cobrindo com o corpo, e enquanto colocava de volta o capacete observei de relance o homem a nossa frente levantar as duas mãos, e ficar em silêncio.

— Hey, não quero machuca-la —a voz seca disse espaçamente. Não sei se foi o tom na sua voz, mas senti meu corpo arrepiar. Embora eu não seja de pré julgamentos, aquele jeito certamente não é de alguém bem intencionado, soava maldoso e trapasseiro.

—Isso depende do que você quer —respondeu Ylior com um tom severo na voz.

— Eu —o sujeito disse dando dois passos em nossa direção. —Quero a garota

Percebi mesmo com a jaqueta grossa Ylior contraindo os músculos, fechando as mãos em punhos e abrindo novamente. O homem já mais visível com a luz do farol mostrou a sua aparência claramente, cabelos vermelhos, pele clara porém acinzentada, como quem não toma sol a séculos, imagino, e roupas pretas. Juntos podíamos ser confundidos com uma banda de rock.

— Acontece que a garota está fora da sua lista —disse ao homem e em seguida, discretamente se virou para mim na direção do meu ouvido esquerdo e sussurou. —A moto, ao meu sinal, fuja, para o oposto.

Congelei com a frase, senti meus batimentos cardíacos aumentarem. A única moto que pilotei na vida foi a de um amigo de infância e não posso dizer que fui bem. Pilotar uma moto sozinha significava que eu teria que acreditar na minha própria sobrevivência. O homem começou a rir e eu me apressei a olhar o painel da moto. Okay Alisha, você consegue, eu acho.

—Se for inteligente você vai dar meia volta e largar a garota aí. Não compare suas habilidades com a minha —bradou o sujeito de cabelos vermelhos.

Olhei para Ylior e segui os olhos na direção do sujeito. Se eu ao menos tivesse alguma habilidade, e pudesse ajudar. Olhei novamente para o homem e no mesmo instante percebi uma outra figura vindo por trás, uma sombra larga estava sendo projetada pela luz do farol. Antes que eu pudesse distinguir escutei Ylior falar comigo.

— Vá!!

Assim como o indivíduo ele também deu dois paços à frente. E era isso, era esse o sinal. Levei dois segundos, bati a chave, fiz a curva e sai a toda velocidade, mas antes de seguir olhei rapidamente para trás e meu coração ficou ainda mais apreensivo. Ylior estava derrubando um homem enquanto o de cabelos vermelhos estava indo em sua direção com algo nas mãos. Os grunhidos deles ecoavam sob a escuridão que se formava agora sem os faróis da moto. Ele estava ganhando tempo para mim, e eu não sabia o que fazer além de acelerar ao máximo e tentar não morrer na pista.

Se eu seguir o percurso de ida vou parar na casa de show. Posso pedir ajuda ao Delafon. Não sei. O nervoso está tomando conta do meu corpo de uma forma que tenho medo de travar totalmente. A estrada é completamente escura, as árvores tinham se tornado uma só enorme forma negra, eu estava especificamente sem nenhuma iluminação alem do farol da moto, então olhar para o retrovisor seria apenas uma forma de se frustar mais.

A cena de Ylior derrubando um deles enquanto o outro partia para cima reprisava em minha mente a cada maldito segundo, mas eu não podia recuar, nem mesmo podia voltar, imagino que o meio vallir tenha arquitetado um plano, e seja lá qual fosse, eu teria que seguir.

A dificuldade em pilotar a moto parecia superável agora, em partes por que a pista é em sua maioria reta. Comecei a ver alguns pontos brilhantes a distância e logo identifiquei ser o espaço do show. Mas mesmo a uma enorme distância consegui escutar um baixo barulho. Dois minutos depois o barulho ainda era o mesmo, não seria a lógica que ele aumentasse? Abri o vidro do capacete, a brisa fresca e fria revigorou, olhei rapidamente para o retrovisor na esperança de conseguir ver a silhueta de Ylior, mas para o meu desespero a única coisa que consegui visualizar foi uma macha avermelhada.

O Drow estava a poucos metros de me alcançar, disso eu não teria dúvidas, eu precisava tentar sair dessa. O medo começou a fazer meus dentes baterem, e as mãos ficarem trêmulas. Onde estava o meio Vallir? Não vou cogitar a ideia de que ele morreu. Impossível, ele tem 600 anos aqui na terra, obviamente não, sem possibilidades.

Nesse momento uma ideia maluca pairou em minha cabeça. E se eu tentar jogar a moto a toda velocidade no drow? Ridículo devaneio, talvez. Mas antes de pensar demais, consegui calcular mentalmente a sequência. Tinha que tentar, única chance, única alternativa antes de ter meu pescoço a jogo. 

Apertei bem as mãos ainda trêmulas no guidão a toda força que eu tinha, diminui a velocidade, e ele conseguiu ficar mais perto de mim, respirei fundo, evitei pensar em qualquer outra coisa, no mesmo segundo fiz uma curva o mais curta possível e aumentei a velocidade para conseguir o meu feito, bater a moto em cheio no sujeito de cabelos fogo.

Agora essa seria uma parte que não esquematizei, os danos a mim. Ainda consegui ver que o drow de cabelos vermelhos voou em uma distancia absurda, mas não identifiquei se estava caído. Meu corpo parecia estar sendo estraçalhado. De repente tudo estava silencioso como o nada. A visão apenas escurecendo, uma luz piscando, não tinha ninguém para me segurar dessa vez, e eu não sabia se estava no chão ou ainda caindo. Não sabia de nada e muito menos onde Ylior estava.

Mentalmente eu chamava Ylior. Não ia me importar mais com o riso malicioso dele de agora em diante, contanto que ele estivesse vivo, bem, e fosse me salvar agora. Pensar isso era uma distopia, desde essa reviravolta na minha vida eu sempre esperei por Clant, e agora me vi esperando por Ylior.  Confuso Alisha, escuro, vermelho e piscante.


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