Limbo

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    Escuto a respiração no outro lado da linha. Escuto ele tragar o cigarro, um vício que eu tanto odiei.

    Permaneço em silêncio, o que sei que ele odeia.

E então?

    É isso? Depois de uma semana sem nos falarmos, depois de termos brigado feio, depois de tudo, a única coisa que ele fala é 'E então?'.

— E então o quê? — devolvo, apenas para irritá-lo.

Não seja burra. Eu quero saber o que você decidiu depois de uma semana?

    Encaro as minhas unhas. O esmalte  azul está todo lascado. Cutuco a tinta ficando em silêncio, tentando ganhar mais tempo para pensar. Eu tinha decidido que daria mais uma chance para ele, que chutaria os erros dele para longe, as atitudes, as traições. Mas, será que é isso que eu realmente quero? Dentro de mim, algo diz que ele nunca vai mudar. Mas, ainda assim, não quero acreditar nessa parte.

Ainda está aí?

— Sim.

E então?

    Respiro fundo, soltando o ar lentamente.

— O que você decidiu?

    Mais uma tragada, dessa vez mais longa.

Eu vou mudar, vou ser uma pessoa diferente. Só vamos continuar sendo esse casal que todos amam.

    Mentira. É o que grita a minha cabeça. Mentiras, e ilusões. Meu coração grita, verdade. Aceite, o perdoe.

E ai, o que acha? Quer continuar sendo o casal mais amado?

    Então para ele é o que? Continuar sendo amado por todos?

— Vicente, a nossa relação está uma merda. A muito tempo.

Foda-se. Podemos esquecer isso.

    Foda-se? Foda-se se a nossa relação está uma merda. Foda-se se cada mentira dele me mata, foda-se o meu chifre enorme. Foda-se.

— Você ainda me ama?

    Outra tragada, mais silêncio. Me preparo para mais uma mentira. Mas dessa vez recebo o nada como resposta. Espero, mas nada vem.

— Já respondeu a minha pergunta.

    Me sinto mau, mas não vou chorar por ele. Não vou chorar pedindo para que ele fique, para que Vicente me ame novamente.

Eu te amo, ei, eu te amo.

    Fico em silêncio. Vicente é o mestre das ilusões.

— Se você realmente me ama, me deixe ir.

Como assim?

Não seja burro. Eu quero terminar com você.

    Sei que essa foi uma escolha certa, mas ainda assim dói. Eu passei longos anos com ele, eu me dei a ele, e eu ainda o amo. Mas dói mais ter ele ao meu lado, ter que sentir cheiro de outros perfumes na blusa dele, ter que escutar mais mentiras mesmo sabendo da verdade. Abrir a mão dói, mas é necessário.

Você vai jogar nosso namoro para o ralo porquê algumas vezes eu escorreguei?

Vicente, você não escorregou, você caiu e continua no chão. Eu estou simplesmente cansada de você, e do seu amor.

Você tem certeza disso?

    Escuto uma leve tensão na voz dele, um nervosismo e irritação. São poucas pessoas que falam a verdade para ele, por isso Vicente fica meio chateado.

    Se eu tenho certeza? Pela primeira vez em tempos eu sinto que sim.

— Sim.

Tudo bem. Adeus.

Adeus.

    O tu tu tu característico soa. Deixo o celular em algum ponto da cama. Mesmo que tenha sido a decisão certa, dói. Me aconchego no suéter preto que ele me deu um tempo atrás, formando com o meu corpo uma bola na cama.

    Antes de deixar as lágrimas caírem, sussurro para ninguém, mas ao mesmo tempo querendo que fosse para Vicente.

— Quando realmente mudar, minhas mãos ainda estarão aqui para você apertar.

Billie Eilish - ContosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora