Aqui não é tão frio

167 26 7
                                    

Junho estava acabando, e o Inverno tinha terminado antes dos últimos dias do mês. Acabei descobrindo que na realidade, aquele não era o Inverno, as estações no Brasil eram uma mistura. Um dia estava frio, no outro tão quente que as ruas ferviam! Depois um ar fresco passava pelas árvores, e parecia Primavera. As árvores secavam como no Outono repentinamente, mas o Verão... Ah o Verão, ele conseguia me destruir. Eu precisava tomar muito cuidado com onde eu parava para descansar quando ele chegava, meu cabelo se tornava levemente amarelado, como se logo fosse derreter. E foi com ele que tive que lidar, logo de cara.

O Sol parecia sorrir para mim toda vez que eu o observava, parecia me ver como um tipo de piada por ali. O Vento amava esse deboche, mas eu não. Tentei por diversas vezes formar torres de gelo, montanhas de gelo, pistas de gelo, elas mal saíam do meu cajado. Me sentia sendo torturado, enquanto o Sol ria de mim.

Durante a noite as coisas pareciam ficar piores. As crianças choravam em seus berços e camas por não terem uma boa noite de sono, o Vento tinha mudado e parecia ter ido para outro lugar, pois não tínhamos uma única brisa mesmo quando o Sol dormia. Seria o Brasil o próprio inferno? Não era possível tanto calor.

Bom, pensei em mudar de estado e acompanhar o Vento, com ele meu frio parecia saber dançar, mas eu teria uma longa caminhada pela frente, pois seguir seus rastros era como segurar a água. Sempre escapava. Mas valia a pena tentar, eu não estava mais suportando.

Sandman me avistou na minha última noite no Sul, e balançou a cabeça negativamente fazendo várias formas de animais e pessoas irritadas com minha mudança, que não era para Nova York.

— Você sabe a história! Por que insiste tanto?!

Transformou-se em Noel esmurrando um Jack Frost de brinquedo.

— Bom, eu não me importo com o que o Noel pensa, ele age como se fosse meu pai às vezes!

A nova forma era o Coelhão tacando ovos em cima da forma de brinquedo estraçalhada.  A última forma... Bom, era ela, de novo.

— Ok, não adianta! Pare. - eu disse lhe dando as costas, não podia ceder. Mas não tinha como lutar contra o pó mágico, que apareceu rapidamente na minha frente, de novo, ainda como a Fada do Dente. Ela chorava.

Ela chorava.

Ela estava chorando por mim.

E isso começou a me comer por dentro, no mesmo instante.

— VAI EMBORA! - gritei o mais alto que pude.

Sandman agora era ele próprio.

— Eu não quero saber disso! Não posso voltar! Por que não me deixa em paz?

Sua expressão se tornou triste, e ele se explodiu no ar, em pózinhos. Voei pelas casas, observando os sonhos das crianças enquanto minhas lágrimas caíam, também. Eu não devia ter escrito aquela carta e muito menos a enviado. Fui egoísta em assumir meus sentimentos, já que eu não podia estar com ela, agora estava tão triste quanto eu.

Pensava que seria reconfortante saber que tínhamos os mesmos sentimentos um pelo outro ainda, mas não era. O que adiantava? O Vento apareceu do meu lado de supetão, me fazendo tropeçar nos meus próprios pés e cair no telhado de uma casa. Acho que ele adorava fazer isso.

— Qual o seu problema?! - perguntei, me recompondo. - Não sabe avisar?

— Pare de reclamar. - ele disse. - Sandman me avisou através de uma de suas correntes de sonho que estava me seguindo. Estou indo para o Sudeste, e depois o Norte.

Norte... Noel... Que?! Não, estávamos no Brasil.

— O-ok... Mas, por que me avisar?

— Decidi que gosto da sua estação, eu me sinto mais livre com ele.

Ao menos nisso concordávamos. Assenti com a cabeça e me joguei no mesmo, que me levou a toda velocidade do mundo até nosso destino. Fui espalhando frio por algumas cidades que ele pedia, era época em algumas delas, que estranho. Aqui não era tão frio, ou tão quente, não conseguia entender. Mas, ok.

— Jack, as vezes sinto que você é muito sozinho. - disse o Vento, enquanto voavamos.

— Eu precisei ser assim, não acha?! Acredito que as notícias voam. - péssimo trocadilho, mas eu não queria falar dos meus sentimentos agora.

Ele riu.

— Eu entendo, mas, você sabe, seus amigos sentem sua falta.

— E como você sabe? Nunca tivemos um contato de verdade com você. - eu disse, um pouco incomodado. O Vento não era um Guardião, era até um pouco esquecido, como eu já fui. Não era como se acordassemos uma manhã e pensássemos sobre o vento. Nossa mente sempre está na chuva, no frio, no calor, não no... Ar.

— As notícias voam, não?! - ele rebateu. Touché.

— Você tem acesso a tudo por causa do seu poder?!

— Tenho. Agora mesmo, posso ouvir e  ver Noel quebrando vários bonecos do Jack Frost que ele ia distribuir no Natal. O frio e o vento estão fortes no Polo Norte nesse momento.

Ele podia ver a Fada?

— Claro que eu posso ver ela, também.

— Pode ouvir meus pensamentos, também?!

— Não, mas era óbvia sua expressão.

Engoli em seco, olhando as nuvens abaixo de nós, e suspirando.

— Como ela está?

— Gritando com o Homem da Lua.

Sorri.

Não era atoa que eu gostava dela, não é?

Ao chegarmos no Sudeste, desci de sua corrente de ar e andei pelas ruas. Espalhei uma geada poderosa entre as flores e árvores, que escureceram mais que o normal ao cair da noite. Andei por portas e janelas, carregando uma frente nublada e fria, embaçando tudo. Meus pensamentos voavam do Polo Norte, a Fada do Dente e Coelhão. Até chegar aqui, onde eu estava. O gelo era diferente, o frio era diferente. Meus sentimentos eram pesados e dolorosos.

Eu sentia falta de casa, do Jamie.

Jamie.

As crianças do Brasil eram diferentes de lá. E nenhuma era como ele. A única que carregou sua crença em mim até o fim. Olhei para o Homem da Lua por um segundo e voltei para uma árvore, depois minhas próprias mãos. E se eu voltasse? O que eu teria de enfrentar?

— Esqueceu aqui. - disse o Vento me tirando dos pensamentos. Uma árvore parecia linda com toda sua Primavera ainda em cada galho. Uma pitada de frio e ela já não estava tão viva como antes. - Você sabe fazer essa coisa direito, hein?! - ele disse reflexivo, apreciando minha obra prima de destruir a Primavera.

A árvore estava aparentemente morta, apesar de viva, mas precisava segurar firme, para florir novamente. Ela não tinha alguém a mandando desistir ou não desistir, não como eu.

Aqui não era tão frio como eu gostava.

O Homem da Lua me disseWhere stories live. Discover now