Epílogo - Outono de 1956.

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Rubinson abraçava Penny com força e ela o abraçava de volta, Tobias, ainda aturdido e com o rosto sujo do sangue negro de Rosita, continuava a segurar seu revólver enquanto Alice soluçava encolhida.

George arrastou o último cadáver e o jogou na torrente, depois aproximou-se de Penny.

— Acabou, – disse ele – finalmente acabou.

Penny o abraçou desabando em lágrimas.

George aproximou-se de Rubinson, o olhou com olhos cheio de cumplicidade e bateu com a mão em seus ombros.

— Você foi de muita coragem, doutor. Fico feliz que esteja aqui conosco.

Rubinson anuiu com a cabeça e também apoiou uma das mãos nos ombros de George.

— Eu também fico muito feliz de tê-lo aqui. – Disse ele. – Muito feliz, mesmo.

Rubinson puxou George pelo pescoço, agarrou Penny pelo colarinho e a arremessou para longe. Alice gritou assustada e Tobias empunhou sua arma incrédulo.

— Vocês querem viver? – Perguntou a coisa em Rubinson agarrando George junto a seu corpo como um escudo a proteger seu coração possuído.

— Pai, o que você está fazendo? – Perguntou Penny confusa.

— Ele não é seu pai – disse Alice a contendo.

— Larga ele! – Ordenou Tobias sem muita convicção enquanto lhe apontava a arma.

— Ou o quê? O que você vai fazer, macaquinho?

George não conseguia se mover ou falar, Rubinson o imobilizava com um dos braços quase o impedindo completamente de respirar enquanto agarrava seu queixo com a outra mão.

— Vocês tem duas escolhas simples, – continuou a coisa – você pode atirar, talvez você atinja minha cabeça, grandão, e talvez eu o largue e você atinja meu coração em seguida. Ou, talvez, eu quebre o pescoço dele e então, outra vez, apenas talvez, eu alcance um de vocês macaquinhos e mate também. E eu vou lhe avisar de uma coisa, grandão, você vai ser o meu alvo principal, fique sabendo.

— Quem é você? – Indagou Penny chorosa.

— Nós somos a legião. – A voz soou como a de uma multidão falando em uníssono – Somos muitos, mas somos um só.

— O que vocês querem? Porque não nos deixam em paz? – Gritou Alice.

— Nós queremos só uma coisa.

Os três ficaram em silêncio esperando que a coisa terminasse o que dizia, mas ela se calou. Tobias perguntou finalmente.

— E o que é que vocês querem?

— A alma de cada um de vocês, macaquinhos!

— Por favor, – implorou Alice – deixa a gente ir.

A coisa gargalhou a gargalhada de mil vozes antes de falar.

— O Escondido nos trouxe até nós e vocês eles nos trouxe. Um exército perfeito. Pessoas perfeitamente imperfeitas, mas nas profundezas daquelas águas vocês enterraram a mim e a nós, e poucos vocês são, enfim. Portanto, mesmo sendo muitos nós agora somos um. Não há força e nem vontade. O Absoluto resta e Escondido está, porém não resta eterno, pois eterna é a vontade de vingança. Essa sim saciaremos quando a hora for certa. Quando muitos vierem até nós de novo.

— Tudo bem, - disse Tobias com as mãos trêmulas - só solta ele e a gente vai embora.

— Não! – Gritou a coisa – Essa é sua outra escolha. Ele fica. Um ser vivo e jovem. Ele será eu e nós seremos ele. Eu serei nós e ele será eu até o dia. E o dia, o dia sempre vem.

George tentou pedir para que eles não fizessem isso, que não o deixassem ali e que atirassem neles. George preferia a morte.

Penny chorou, teve que ser arrastada por Tobias.

Não havia escolha. Tobias, Alice e Penny partiram no Jipe.

A Coisa no corpo de Rubinson, para o horror de George, exalou o fôlego da morte em suas narinas. George sentiu-se sufocar como se um enxame de insetos lhe tomasse a garganta e descesse de seu esôfago até o estômago. Um fio negro, espeço e viscoso de morte lhe preencheu as veias e suas próprias células ressecaram como farelos de carvão. Seus cabelos esbranquiçaram e caíram, seus olhos perderam a cor e a pele tornou-se pálida como a de um defunto. Fora como se o próprio sopro da vida se esvaísse e a mais completa solidão tomasse seu lugar. George estava vazio, mas não estava sozinho.

O cadáver de Rubinson tombou cadavérico como um galho seco e George Pessoa iniciou sua semivida: uma parte ele, outra o espírito dos mortos cobertos pelo manto fúnebre da legião. Em completo repouso como um gatilho esperando um dedo se contrair sobre ele.

A força maligna restou cheia de corpos sob as profundezas do Lago Sem Nome. George Pessoa se agachou ao lado do cadáver de Rubinson e vasculhou seus bolsos. Encontrou o que procurava: um maço de cigarros e um isqueiro. Estavam ensopados.

Pegou um punhado de pedras, forrou uma faixa estreita das tábuas do deck com elas e os colocou para secar. O sol terminava de escalar as colinas, a água ainda jorrava das comportas e das paredes quebradas, embora em menor intensidade. Pôde ouvir o piar das aves migratórias cruzando os céus já quase completamente azuis àquela hora. O inverno se aproximava. Sentou-se enquanto as observava e pensou quantas vezes mais as veria até conseguir outro maço de cigarros.

Não se importou com o tempo.

O tempo e a morte eram meras ilusões, conjecturou fechando os olhos.

SombreadoWhere stories live. Discover now