⊱ CAPÍTULO X ⊰

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– Espero que tenha sido muito bem recebido em Fell's Church – as esferas negras finalmente deixaram as compras e fitaram Harry dos pés à cabeça em um lento trajeto, emanando um sentimento não identificável, talvez porque, em verdade, fosse um misto de diversos sentimentos.

A sua fala, no entanto, foi o suficiente para que Harry se despertasse do transe.

"Não por você", pensou e teria dito em voz alta caso Desmond não tivesse tornado a falar naquele exato instante – o tom autoritário desnorteava os sentidos de qualquer um.

– Contudo, aqui existem algumas regras imprescindíveis para a boa convivência. Primeiramente, como pôde notar, o desjejum é servido pontualmente às 7h da manhã, o almoço ao meio-dia e o jantar às 18h: atrasos não serão tolerados. A ala sul da casa está totalmente fora dos limites de visitação. Nunca deixe os limites da propriedade e, acima de tudo, não se aproxime de Aberdeen: é um ambiente traiçoeiro. Conseguiu memorizá-las? Faz-se necessária a repetição?

Harry balançou a cabeça em afirmativa primeiro e em seguida em negativa, ou ao menos esperou ter assim respondido. Ele não queria parecer desrespeitoso, afinal estava na casa do homem e deveria acatar todas as suas imposições sem questionamentos. No entanto, sua mente se dividia entre os pensamentos "sou um prisioneiro?" e "não era isso que eu esperava".

Quando o cacheado deu por si, o homem já subia o segundo lance de escadas de mármore sem dizer nada mais – nenhum pêsame pelas mortes de Anne e Dan, nenhum comentário a respeito de sua saúde ou resquício de boas-vindas.

– Acredito que precisemos conversar, tio – Harry tentou, mas a figura já havia sido engolida pelos lances de escadas infindáveis e se não tivesse notado o acelerar dos passos após sua fala, o jovem poderia ter acreditado que o tio realmente não tivesse o escutado.

Existem ocasiões em que ansiamos tanto por um determinado evento em nossas vidas e até ensaiamos mentalmente para tal, mas ele ocorre de repente, quando você cansou-se de esperar e de uma forma que nenhum de seus ensaios mentais previa, uma forma que soa errada. Bem, Harry ansiou muito por conhecer Desmond.

-x-

Bastou que a figura dominante do tio deixasse o ambiente para que Nicholas passasse do garoto silencioso para o ser irritantemente falante novamente. Harry era alguém muito paciente, mas naquele momento, após seu desastroso primeiro contato com o tio, a confusão estava o levando à beira de um ataque de nervos.

– Ele é sempre dessa forma?

– Quem? – o tom de Nick denunciava sua irritação por ser interrompido em meio às suas falácias. – O Sr. Desmond?

Harry evitou o revirar de olhos balançando afirmativamente a cabeça com mais força que o necessário para responder.

– Ah, creio não saber lhe informar. Apesar de trabalhar no casarão desde que, literalmente, eu nasci... – Blá blá blá, o cacheado deixou Nick no mudo mentalmente por alguns instantes, pois já havia escutado essa história ao menos cinco vezes. – O fato é que o senhorio não é alguém ruim, apenas demasiado reservado. Às vezes penso que ele precisa ter mais contato com seres humanos, aprender a interagir, quem sabe. Apenas... Siga religiosamente as regras da casa, elas são muito estimadas por ele; dessa forma, terão uma boa convivência, posso assegurar-lhe.

Ambos finalmente haviam chegado na portinha amarela ornamentada com enfeites florais de ouro. Nick estava habituado com aquelas escadas, já Harry achava que vomitaria os próprios pulmões por subir até lá carregando o peso das compras consigo.

– Então, essa é a hora que você finalmente me leva para conhecer seus aposentos – disse o cocheiro, lançando um olhar sugestivo.

Com isso, mais um flerte aleatório em um momento nada propício para tal podia ser inserido no histórico de Nicholas Grimshaw e essa era a deixa para Harry esclarecer aquela situação definitivamente.

Mystical (l.s)Where stories live. Discover now