cap. 19 | apocalipse no playground

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Arlete está sentada sobre minha cama. Suas mãos juntas ao colo e expressão de cachorro sem dono. É segunda-feira, e já fazem mais ou menos umas quatorze horas que meu aniversário acabou.

– Eu não vou contar. Por favor, não me demita.

Estou de pé, a sua frente. Meus braços cruzados e olhar desconfiado.

– Tudo vai ficar bem se você prometer.

Arlete assente com a cabeça imediatamente. Ela começa a falar desesperadamente que promete que não irá falar nada para minha mãe e sobre como adora trabalhar na nossa casa e blábláblá. Reviro os olhos cansada.

– Tudo bem, repita comigo... – Chamo sua atenção. – "Eu, Arlete, juro que ficarei calada."

– Eu, Arlete, juro que ficarei calada.

– "Jamais contarei o que vi na noite passada para ninguém."

– Jamais contarei o que vi na noite passada para ninguém.

– "Ou então minha alma será oferecida de bom grado a Satanás."

Arlete arregala os olhos, mas eu apenas permaneço lá esperando. Preciso ser firme.

– Ou então minha alma será oferecida de bom grado a Satanás. – Ela comenta de olhos fechados claramente incomodada.

Já me sinto mais aliviada. Caminho até o criado mudo a esquerda da cabeceira da cama e pego o livro negro que deixei ali. Os olhos amedrontados de Arlete seguem o movimento de minhas mãos o tempo todo.

Estendo o livro frente ao rosto dela.

– Agora o juramento sobre a bíblia.

Eu sei que aquilo parecia demais, mas eu queria ter a certeza de que o que aconteceu tivesse morrido para sempre. Arlete reluta de início, mas depois consigo fazer com que ela estenda sua mão direita sobre a bíblia e diga as palavras novamente. Acho que aquilo é bem importante para ela, porque é verdadeiramente religiosa. Sempre a vejo fazendo o sinal do espírito santo por aí.

Depois de coagir minha empregada e a liberar para os serviços novamente, volto a pensar no inevitável.

O beijo.

Era como se eu ainda pudesse sentir a maciez dos lábios de Cazinho contra minha boca. Como o sopro de um anjo. Eu sabia que era errado – praticamente um crime hediondo – mas eu não conseguia parar de relembrar o momento. Nosso encontro na despensa e o flagra da empregada logo em seguida. Cazinho todo vermelho e depois indo embora. Mas não antes de falar aquelas palavras... "Eu não bebi praticamente nada essa noite". O que será exatamente que ele quis dizer com aquilo?

Bem, não importava. Eu estava bêbada, havia tomado uma dezena de taças de champanhe e minha carência de amigos havia me feito tomar aquela atitude impensável. Depois de ter voltado para o salão e ser questionada do meu xixi que havia levado mais tempo do que o de uma pessoa normal, voltei a jogar conversa fora com as garotas até a hora que elas foram embora. Cazinho se retirou mais cedo apenas com um adeus formal. Era evidente que ele ainda se sentia estranho com o que havia acontecido.

De volta ao meu quarto de dama requintada, me peguei pensando na cena durante o resto da noite. O único momento em que me livrei temporariamente daquele vício, foi quando peguei meu iPhone e comecei a ler mais algumas mensagens de parabéns no Instagram. Estava dando uma olhada na DM, onde haviam algumas felicitações de amigos mais próximos, quando encontrei uma mensagem intrigante:

@felipe_vianna: Sei que você está uma fera com a gente e provavelmente vai ignorar essa mensagem, mas eu não podia deixar de te desejar os parabéns. Tenho certeza que você sabe que estou sendo sincero e de que não me arrependo de todos os anos que passamos juntos. "Barlipe" pode ter acabado, mas isso não me impede de ainda te achar incrível e querer que tenha todo o sucesso do mundo. Vou te amar para sempre Barbie! Felicidades :)

Uma Barbie Incompreendida [✓]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora