cap. 15 | bata seu cabelo ou morra

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Eu tinha ânsia de vômito só de imaginar que os ensaios para o musical começariam mês que vem. Com minha rotina super corrida de benfeitora/influencer/youtuber, seria praticamente impossível encaixar mais tempo para ser atriz/cantora. Mas o que eu podia fazer? Era mesmo meio humilhante ter que ser o par romântico de Susi em uma peça, mas eu ainda era o personagem principal, e isso ela não podia tirar de mim.

Ao longo dos dias eu descubro três coisas interessantes: A primeira é que a "nova puddle Katy Perry" estava quase totalmente adaptada. Por incrível que pareça, a desnaturada da minha mãe não havia notado a diferença, e a empregada – que pasmem, se chama Arlete – só tinha que se preocupar em não deixar Tinker Bell assassinar sua nova irmã postiça. A segunda é que Richard é mais tapado do que eu imaginava. Minto para ele falando que meu iPhone está com defeito e por isso não consigo responder suas mensagens. O mais estranho é ele acreditar mesmo eu ainda postando fotos nas redes sociais diariamente. E terceiro – e sim, menos importante – todo o nervosismo de Sheron tinha um nome e se chamava "Bata o seu cabelo ou morra".

Se eu já não aguentava ela falando sobre esse tal concurso na semana passada, agora mesmo é que havia extrapolado. Eu estava preparando um desafio maravilhoso para as Barbitchs nesse sábado, mas pelo jeito Sheron havia escolhido aquela data para ser totalmente egoísta. Ela estava absolutamente paranoica com aquele concurso de drags. Tão paranoica que não pensou duas vezes antes de ignorar a conduta das Barbitchs e faltar vários compromissos ao longo da semana.

Caminho de óculos escuros e lenço enrolado na cabeça pelo centro da cidade. É segunda a tarde e ainda posso sentir o gosto dos cogumelos indianos protéticos que eu almocei. Pérola e Xuxa estão paradas em frente ao letreiro apagado da boate Estonteante – Sim. Hoje era dia de ter uma conversinha sobre como é importante seguir as regras quando se é uma Barbitch.

– Olha só quem resolveu aparecer hoje. – Comento sarcástica avaliando Xuxa dos pés a cabeça. – Não pense que eu esqueci do seu sumiço repentino quando o relógio do meu pai precisou ser buscado.

Xuxa cora. Ela ajeita os cabelos castanhos alisados ao redor do rosto.

– Eu já pedi desculpas. – Ela pede novamente, como fez a semana toda. – Eu precisei ir na faculdade para regularizar a minha despesa com o Fies. Dá muito trabalho mexer com essas coisas.

Diferente da noite em que eu tive que fazer um discurso para os desafortunados comedores de terra, os olhos dela hoje estão em sua cor natural. Um emolduramento perfeito por seus cílios sobrecarregados de rímel.

– Desistiu dos olhos azuis? – Pergunto a deixando desconfortável. Era uma punição por sua falta de empatia com a nossa civilização feminista.

– Eles não combinavam muito comigo. – Xuxa dá uma risadinha. – E também... eu perdi uma das lentes. Como eu disse, fiquei tão enrolada com tudo isso do empréstimo que fiquei mais desleixada do que o normal.

Engraçado. Em todo esse tempo em que eu conhecia Xuxa, para mim, esse era exatamente o momento em que ela não estava nada desleixada. Seu cabelo estava sempre com brilho e suas roupas haviam dado um up considerável. Eu já nem lembrava mais da última vez em que ela não estava maquiada.

– Que faculdade você fez mesmo? – Pérola parece curiosa.

– Ciências Políticas. – Xuxa responde sorridente.

A expressão de ignorância no rosto de Pérola é totalmente imitada pela minha. Eu não fazia ideia do que aquilo se tratava.

– Não sabia que você ia por esse caminho intelectual. – Disparo.

Xuxa dá mais uma risadinha.

– Eu sou pobre, não idiota.

Quando dou por mim, Xuxa já está abrindo as portas da boate.

Uma Barbie Incompreendida [✓]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora