14. Aquarela

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Azul. Amarelo. Vermelho. As três cores primárias são as que tenho na paleta de madeira. Dr.ª Patricia disse que, todas as cores que eu quiser, consigo a partir destas.

Com o vermelho e azul chego ao meu roxo, este usado para colorir todo o céu estrelado que escolhi pintar. O amarelo com o azul resulta no belo tom da Terra que observa os planetas seguintes ao longe. O laranja, oriundo da mistura despretensiosa do amarelo com o vermelho, ilustra o calor do sol que aquece todo o espaço solitário.

Grande parte do chão do consultório está tomada pelo papel branco enorme. Consigo enxergar os tacos de madeira próximos às portas de onde presumo que sejam o banheiro e alguma copa ou cozinha estreita. Pensei que levaria mais de uma consulta para preencher todos os espaços vazios, mas, antes que desse por mim, meus olhos mal conseguem notar um espaço sem cor.

A ideia da psicóloga de diluir um pouco para mudar as tonalidades me fascina. Saturno, o meu preferido, está em degrade. Uma belíssima aquarela de azul. Deixei, sem querer, um escorrer um pouco da tinta embebida na água, porém o rastro falho de cor me traz a sensação de lágrima de saudade, como a que vi Iris libertar há quase uma semana.

O borrado é o choro da arte, a expressão silenciosa do sentimento na pintura.

— Henry, você está se revelando um belíssimo artista. — comenta a doutora, enquanto encaixa a trinche usada em um copo pequeno com água.

— Está torto. Torto. — reprovo os traços imperfeitos. — Tremi a Terra, o anel de saturno escorreu, ..., mas ficou bonito.

— Quer me dizer o que você quis representar na pintura?

Engulo em seco. Eu não sei exatamente. Deixei que o coração segurasse o pincel, fechei os olhos e fiz esse espaço. Não imaginei alguma coisa e desenhei-a, só me permiti.

Sem uma resposta digna em mente, apenas chacoalho a cabeça em negação.

— Aqui, nas minhas estrelas pequenas, tentei colocar um lugar tranquilo. A estrela cadente é você, como se estivesse se descobrindo em uma viagem, sou a pequena lua a observar o passeio. — diz ela, apontando para as partes pintadas por si.

— Uau! Que bonito. Gostei. — pela primeira vez, noto as bochechas da psicóloga ganharem cor. — Você gosta de pintar? — tento ser mais claro. — Como gosto do espaço... ama?

— Amo a arte, por isso os meus atendimentos são mais subjetivos. O que me conforta é passar os sentimentos para algum tipo de arte, seja como música, poesia, desenhos, ..., ou pintura.

— Gosto das suas consultas, a senhora me fez gostar de arte. — os olhos dela brilham bastante com o sorriso que carrega no rosto, chegam a lembrar os de Iris.

— Fico feliz que você tenha gostado de como foi representado. — explica o motivo de ter corado. — Não costumam gostar dos desenhos porque são tremidos. — desabafa.

Parece que mudamos de lugar, sou o psicólogo e Dr.ª Patricia confidencia seus incômodos. É boa a sensação de tê-la a me contar como se sente. Significa que ela confia em mim. Não sou inútil, não para ela.

— Talvez tremer seja a sua... — procuro a palavra certa — essência.

A senhora com cabelos aloirados solta uma risadinha.

Acho que falei algo de errado.

Sem saber o que fazer, eu sorrio.

— Talvez seja.

Ela concorda, o que me conforta. Ao menos, um pouco.

— A minha pintura é a minha vida. Não sei exatamente como quis representá-la, mas é.

Ruídos de SaturnoWhere stories live. Discover now