09. Quebrado

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Alguns dias depois.

Conforme deslizo para fora da cama, encolho meu corpo o quanto posso. A temperatura fria do chão deveria ser o suficiente para me fazer levantar, porém, algo me trava. Não sinto vontade de outra coisa a não ser procurar conforto embaixo das cobertas, nem mesmo de vestir o pijama ou de realizar qualquer outra ação. Quero ficar quieto, parado, a salvo das palavras que insistem em bombardear a minha mente.

Sou privado dos meus próprios desejos. Mamãe afirmou com todas as letras: ela me acha um incapaz. As frases gritadas há poucos dias ecoam diversas vezes pelo meu cérebro. Não quero mais ouvi-las, mas, até então, não há escapatória. Pelo menos, não quando preciso fugir de mim mesmo.

Pouso o queixo sobre os joelhos; de olhos fechados, sentindo lágrimas novas e quentes substituírem as secas. Minhas mãos apertadas em punho, guardam o pingente de Saturno que Iris me deu em um de nossos encontros. Nunca mais fui capaz de largá-lo. É uma parte dela, pequena e separada de seu corpo, contudo, a única lembrança física que tenho.

Por que dói tanto?

Pouquíssimos segundos são o bastante para que eu me sinta pequeno, vulnerável e nas mãos de algo ruim. A realidade é dura. Talvez as psicólogas possam me explicar o que é isso, dizer que está tudo bem e me ensinar o antídoto para que a sensação péssima vá embora. O problema é que não é possível apagar o passado; as ações feitas não podem ser alteradas, assim como palavras ditas.

Uma sequência curta e rouca de toques contra a madeira escura da porta chama a minha atenção.

— Shawn? Papai pode entrar? — meu silêncio longo lhe serve como resposta, e ouço o giro da maçaneta. — Você está bem? — desvio o olhar para as minhas mãos.

O pai solta um suspiro profundo e ruidoso, antes de se acomodar ao meu lado no chão.

— Você não sai deste quarto há dias... — sua mão grande e calosa repousa em meu joelho, a atrair os meus olhos. — Nem sequer tem se alimentado direito...

— Incapaz. — murmuro.

— O quê?

— Eu. Você e a mamãe disseram que sou incapaz. — as palavras amargam a minha boca, como se a apodrecessem. — Eu ouvi. Ouvi tudo.

Sobreponho minha mão na do pai e retiro-a. Envolvendo as pernas com os braços, deste modo, deixo um espaço entre o tronco e os joelhos, onde permito que meu rosto se afunde.

— Shawn... — ele busca as palavras — não foi isso.

Concordo com a garganta, em uma ação nítida de deboche.

— O que contou a sua mãe é muito sério... — interrompo-o.

— Iris disse que beijar não era algo ruim.

— E não é. — inclino meu rosto para o lado, deixando que um de meus olhos o espie. — Mas é delicado... tudo com você deve ser cuidadoso.

— Porque sou um... incapaz, certo? — posso o ouvir engolir em seco.

Mais uma vez, meus olhos preenchem de lágrimas. Rapidamente, escondo-os novamente entre as pernas. Cerro os orbes, impedindo que a dor escorra pelo meu rosto.

— Shawn, não diga isso... — ele solta o ar com certo peso. — Você sabe que é diferente das outras pessoas... é especial.

— Sou. Não posso tomar minhas próprias decisões. Não posso.

— Filho...

Sem mais coragem de esconder que meu rosto está banhado pelas lágrimas cálidas, levanto-me e caminho até a porta, a abri-la. Forço meu maxilar, o qual, ao julgar pelo choro, provavelmente está avermelhado.

Ruídos de SaturnoDonde viven las historias. Descúbrelo ahora