16 - O amor mata

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"Eu estou feliz, mas tenho um coração furioso. Vivo em um mundo tão sombrio. Às vezes não consigo ver o que está na minha frente e fico com medo."

Almost Woke You Up
Stephen Kellogg


O grito ecoou pelo silêncio. Essas eram as noites mais difíceis. Aquelas em que ele sonhava com ela.

Levantou-se num solavanco buscando, com as mãos trêmulas, a luz em meio à escuridão. Só depois de tocar a pele macia e aquecida voltou a respirar.

Sentiu as lágrimas presas à borda das pálpebras, águas ácidas poluídas pela raiva, frustração e ressentimento. Águas que não escorriam, queimando-o por dentro. Um vulcão prestes a entrar em erupção que engolia as próprias lavas a fim de se machucar.

Abriu as janelas cerradas, buscando por mais ar. A luz fraca inundou o quarto, iluminando o corpo da menina que ainda dormia. Ao se aproximar, soltou um leve arquejo enquanto tocava-lhe a face. Ele se inclinou e a beijou nas pálpebras, esfregou a boca fechada em cada canto do rosto, absorvendo o calor da pele. Era um gesto de ternura e cuidado.

Vê-la de olhos fechados, tão desprotegida, fez seu coração acelerar. Era como a visão da morte, da morte dela. Era ridículo ter tanto medo de perder uma pessoa. Mas depois do que aconteceu com ele, não era apenas medo. Era pânico. Terror.

Deus, como isso podia acontecer? Como uma pessoa, que pouco tempo atrás não existia para ele, era-lhe tão vital quanto o oxigênio que mal conseguia respirar?

De todos os pesadelos que lhe eram comuns, esse era o que mais o apavorava, porque esse era real. Levava-o de volta para aquela noite, para o seu inferno pessoal.

Durante o sono, sua mente lhe pregava peças. Era como se pudesse sentir as gotas da chuva queimando a pele. O cansaço do corpo que se recusava a ceder. A cena era sempre a mesma. O rosto pálido e sem vida de Lívia, o sangue escorrendo por entre as pernas, sendo absorvido pela terra molhada.

Por 10 quilômetros carregou-a nos braços, debaixo de forte chuva e vento, debaixo da tempestade insaciável que desejava levar consigo o que Taylor tinha de mais valioso na vida. Durante todo o caminho ele conversou com ela, palavras de amor e súplica. Súplicas desesperadas para que ela não o deixasse. Para que não levasse com ela o fruto daquele amor.

Mas os dois se foram naquela noite. E a vontade de viver de Taylor se foi com eles.

"O amor mata" – era o que pensava. E ele morria dia após dia dentro daquele amor.

Era apenas um homem destruído. Consumido pela dor. Esperando pelo instante em que a morte o carregaria com ela e o devolveria para os braços de Lívia.

Mas a vida, com seu senso de humor doentio, tinha outros planos para ele.

E agora era o rosto de Maya que o perseguia nos pesadelos. Era o corpo dela que pairava pálido e sem vida em seus braços. E a dor que sentia ao perdê-la o destruía mais uma vez.

Jamais sentira tamanha paixão por alguém como por aquela doida varrida. Paixão igual àquela, de sentir dor e alegria, de querer estar sempre perto respirando o mesmo ar, esse tipo jamais havia sentido.

E não queria mais sentir. Apaixonar-se desse jeito era a melhor maneira de se perder de si mesmo e de morar na palma da mão do outro, estar à deriva no oceano profundo, revolto e perigoso dos sentimentos.

Maya, no entanto, sabia que um dia isso aconteceria com ela, porque no fundo toda mulher era fascinada pelo abismo. E ao enxergar a profundidade azul no olhar daquele homem, desejou a queda. E o carregou para o fundo junto com ela.

APENAS UMA NOITE (CONCLUÍDA)Kde žijí příběhy. Začni objevovat