O RELÓGIO

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~Antes

A noite Londrina me animava. O relógio que eu dera a Petros fazia um barulho de aço toda vez que seu braço mexia, ou quando ele olhava as horas de forma distraída. Saímos da casa dos meus pais e decidimos ir a pé ao nosso hotel, uma vez que na ficava tão longe assim. Fora bem tranquilo a apresentação sogros-genro. Amaram o jeito tímido e bruto do meu namorado, minha mãe insistiu para que dormíssemos lá, só que eu já tinha planos melhores para aquela noite — e posso dizer que eram planos bem audíveis. Eu já me encontrava perdidamente apaixonado por Petros, era um sentimento quase ilógico dado ao pouco tempo juntos. Pense num cara que me fazia bem só estando do meu lado. A voz, a forma atrapalhada de ser, seu coração mole desproporcional para seu tamanho ogro. Tudo nele me fazia feliz. Ele me fazia feliz. E eu estava perdidamente feliz.

"Eu nem acredito que eles te aprovaram tão fácil. Geralmente eles ficam de cara fechada e resmungando sozinhos", disse eu distraído com o bração de Petros em volta do meu pescoço.

"E o cagaço que eu tava? Sem medida. Quando você contou aquela piada e eles gritaram alto numa gargalhada, mano, meu coração parou por uns segundos", disse ele meio tenso e divertido.

"Eles estão feliz por eu estar tão feliz. Se culpam as vezes por terem me tratado de forma rude quando me assumi", falei lembrado dos dias sombrios com meus pais. Eles eram bem intolerantes, quase fascistas. Descobriram que havia um filho gay na família, tentaram me por em clínicas.... Bati o pé, saí de casa mesmo ainda sendo de menor. Reuni meu fundo universitário e mais umas economias e com ajuda de uma prima embarquei pra América. Consegui estudar numa boa faculdade e em pouco tempo me estabeleci numa empresa ainda em fase de estágio. 4 anos sem falar com meus pais e então, numa noite de natal, recebo uma vídeo chamada deles dois arrependidos. Claro que deixei passar muita coisa, embora as mágoas ainda estivessem bem palpáveis. O importante era que estávamos todos numa fase nova. Andando com Petros ao meu lado, o mesmo tagarelando e enrolando as palavras uma vez ou outra, eu me dei conta de que nada do que acontecesse naqueles tempos, me faria tirar a alegria de ter a pessoa que eu mais amava nesse mundo.

Entramos numa Praça com algumas poucas pessoas, alguns casais em bancos se beijando apaixonados, algumas crianças brincando com seus pais as chamando para irem para casa, e um ar noturno de tranquilidade. A lua rompeu as nuvens que a cobria e ela brilhou forte, bem acima de nós. Como se por magia, a noite ficou mais fria do que segundos antes, gélidamente estranha. Senti meus braços se arrepiarem e puxei a gola da jaqueta cobrindo o pescoço.

Petros me girou de surpresa e me agarrou em seu braços num abraço de costas. Senti sua barba em meu pescoço e ele sussurrou "te amo". Virei para ele e o beijei. Rimos do romantismo e andamos mais para dentro da Praça com árvores em toda sua extensão. Já não ouvimos mais ninguém só nossos risinhos bobos e observações sobre o jantar que ocorrera mais cedo.

"Seu pai é muito bacana. Ele curte baseball! Eles nem parecem ingleses", disse ele rindo.

"Fanático. Quando vai nos EUA fica louco querendo ir ver qualquer jogo em qualquer estádio, desde que seja um de baseball" disse eu girando os olhos em órbita.

"Onde mais seria, baixinho?", me beliscou na bochecha.

"Sei lá. A mãe te adorou, ela disse... Hã... 'meu Deus! Que homem é aquele? Sortudo você heim, filho'. Eu fiquei envergonhado mas concordei que você é um pedaço de mal caminho", disse eu corando.

"Não sou tudo isso", falou tímido.

Eu olhei nos olhos dele, ele tinha um certo problema com auto-estima.

"Você é lindo! Cara, olha teu tamanho, esse corpo, esse cabelo, esse queixo, esse peito peludo e....".

Ele riu safado.

"Ok, entendi. E tua mãe tá errada".

Eu franzi o cenho

"A respeito de quê?".

Ele colou o corpo em mim

"Eu que sou o sortudo", eu ri e agarrei ele pelo pescoço e beijei-o de forma terna.

Ouvimos algo entre as árvores escuras, a luz a gás da Praça era fraca e iluminava pouco. Olhamos para onde se originarizara o ruído e senti os pelos da minha nuca se eriçarem. "Vamos, amor" chamei puxando o braço de Petros. Ele riu e pôs o braço direito ao redor do meu ombro novamente.

"Medroso", debochou ele.

Olhei pra ele e mostrei a língua. Do nada, rápido, uma figura ensanguentada trombou comigo e agarrou minha roupa.

"Socorro, soco...rro... so...co..rro", parecia sem fôlego e apavorado, assim como eu que ficara quando o mesmo me agarrou.

"Solta ele, meu chapa", dissera Petros afastando o homem de mim. Sua camisa estava rasgada e havia um arranhado longo em seu braço.

"Socorro... me ajudem... corram", disse ele catatônico. Eu senti pavor por nós porque o homem parecia estar fugido de algo, algo que estava naquele lugar.

"Petros, vamos sair daqui agora. Vem, senhor, a gente te ajuda", falei com terror na voz.

"Não, não. Fujam comigo!", ele começou a correr para longe da gente que ficamos sem entender nada. Então, há uns bons 10 metros, uma figura grande o derrubou no chão e o homem gritou uns instantes para depois soltar um estranho gemido e se calar. Na luz da lua, vi quem o derrubara olhar para mim e Petros. Os olhos pareciam de um animal.

O medo tomou conta de mim, peguei o braço de Petros e puxei para fugirmos daquele lugar ou daquela coisa a qual não sabia distinguir por causa da pouca luminosidade. Corremos e senti ser puxado para trás pelo meu casaco depois ser arremessado por entre as árvores. Bati a cabeça no chão coberto por folhas e ouvi um rosnado. Então algo se chocou com algo e ouvi um baque surdo no chão. Parecia que quem me puxara, ou o "quê" me puxara, havia caído no chão. Uma mão pegou meu braço e ergueu a mim rápido, Petros derrubara a coisa no chão.

"Vamos, amor", falou ele com urgência.

Porém, assim que começamos a correr, a figura se levantou e vimos uma criatura de focinho e corpo todo cabeludo nos olhando feroz, parecia um homem extremamente peludo. Suas pupilas brilhavam a pouca luminosidade e seu tamanho assustava. Era um monstro dos filmes de terror na nossa frente e aparentava ser extremamente rápida e violenta. Petros se pôs na minha frente e a fera reagiu.

Vi levantar sua pata para nos atacar. Foi quando Petros levantou o braço com o relógio que tintilava e do nada a fera ganiu por um instante vacilando para trás, mas durou pouco pois atacou com suas garras ferindo meu namorado que soltara um grito. Com o golpe, o relógio dele quebrara e caiu ao chão fazendo um sonoro tilintar. A fera rugiu furiosa e correu para longe da gente. Olhei para o braço de Petros e havia um corte em forma de três traços do pulso ao cotovelo.

Em choque, por ver aquele animal ou homem, os dois juntos, peguei Petros e corri sem pensar. Ele vacilou e caiu ao chão. Gemeu e gritou em dor.

"Tá queimando... queima...", segurou o braço forte e berrou.

"A-a-a-mor. Petros... Amor?", ele se contorceu e chorou de dor. Caiu ao chão se debatendo como se recebesse uma descarga elétrica forte. Gritou alto e não suportando a dor desmaiou. Liguei para o socorro e informei o local. Olhei ao redor apavorado por saber que a coisa ainda estava por ali e rezei para que a mesmo tivesse ido embora.

A ligação ficara ruim e eu me distanciei uns metros de Petros, consegui chamar socorro, a ambulância viria rápido, informaram. Quando virei para onde Petros estava, não havia nada nem ninguém.

"Petros?", chamei apavorado. Fui até onde ele ficara deitado e grito para todos os lados o seu nome. Ouvi ao longe os sinos de alguma igreja bater, anunciando a hora. Olhei para o relógio e era meia-noite. Então, bem longe, em meio as árvores um uivo encheu a noite. Alto e doído, fazendo meus cabelos da nuca se eriçarem, pois de alguma forma eu senti ser um pedido de socorro.

Meu Namorado É Um Lobisomem (Primeira Parte Finalizada. Pausado)Where stories live. Discover now