CAPÍTULO: 10

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Demi não teve tempo de se acostumar com a ideia de perder uma perna, pois duas semanas depois ela estava na mesa de cirurgia, enquanto eu, Shawn, João e seus amigos esperávamos na sala de espera, mais agoniados a cada segundo que passava.

Só podíamos esperar desesperados para que alguém saísse e falasse qualquer coisa (De preferência que aparecesse com Demi pulando e jogando confete, dizendo que não passava de uma pegadinha, que seu câncer não tinha se desenvolvido). Isso não aconteceu, no entanto.

Enquanto todos estavam tentando fazer alguma coisa para se distrair, eu olhei para um buraquinho minúsculo na parede branca e estéril e me perdi em meus pensamentos. Na noite anterior Demi praticamente implorou para fazermos amor, ela disse que não saberia quanto tempo demoraria para podermos fazer isso de novo, mas eu tinha certeza que ela tinha medo de que eu não quisesse mais tocá-la com apenas metade de sua perna direita lá. Fazer amor naquela noite tinha sido completamente diferente das outras vezes. Foi mais desesperado, com mais toques, com mais ansiedade e com medo do que o futuro reservava.

A cirurgia demorou cerca de seis horas, disseram que demorara tanto por causa de todos os tendões, nervos e veias, além do tecido a ser colocado junto. Seis horas, e agora Demi tinha parte de seu corpo fora dela.

Eu não sabia que fim teria sua perna e nem queria saber. Sequer pensar sobre isso é enjoativo. Só queria que o câncer que residia lá percebesse que não podia mais se alimentar dela e que morreria. Mas ele não tinha consciência, é claro que nunca entenderia, afinal, ele apenas lutava para sobreviver no corpo dela.

Assim que recebemos a noticia de que a cirurgia acabara e que estava tudo bem, liguei para os meus pais e os avisei. Minha mãe perguntou se eu voltaria para casa, mas eu disse que queria ficar ali mais um pouco.

Só pude ver Demi quando ela saiu da UTI dois dias depois, pois lá apenas família pode visitar. Eu entrei no seu quarto silenciosamente, ela estava deitada, assistindo um jogo de futebol, mas sorriu para mim quando eu entrei.

Lhe dei um selinho demorado e sentei numa cadeira ao seu lado, segurei sua mão entre as minhas, beijei seus dedos e encarei o chão. Senti seus olhos sobre mim.

“COMO SE SENTE?” Perguntei.

“Como se eu tivesse uma perna a menos.” Respondeu, simplesmente. Eu suspirei. “Estou descabelada, com um bafo do cão e vestindo uma roupa horrível de hospital, sem contar que uma perna está faltando, mas eu continuo linda, não é?”

Poderia parecer uma brincadeira para qualquer outra pessoa que ouvisse aquilo. Mas eu a conhecia muito bem para dizer que ela estava com medo de que eu falasse que não, que não queria chegar perto de sua perna amputada, que não queria nem pensar que uma parte de seu corpo estava faltando. Uma brincadeira inocente, para muitas pessoas, mas que para mim era uma pergunta, era uma incerteza, era um medo.

“Claro que está. Só tem que dar uma arrumada nesse cabelo, ele está espalhado pra todo lado. E talvez escovar os dentes não seja uma ideia tão ruim assim.” Comentei, sorrindo, olhando para ela.

Ela sorriu também, eu vi o alivio brilhando em seus olhos, antes de voltaram para um brilho malicioso que sempre permanecia lá. “E como você está?”

“Como se minha namorada tivesse com uma perna a menos.” Retruquei.

Ela riu. “Graças à Deus eu não sei como é isso!”

Eu ri também e balancei a cabeça. Ficamos em silêncio, confortável, e mais nada precisava ser dito.

Demi saiu do hospital alguns dias depois. Ainda demorou mais um bom tempo para ela poder andar com a prótese e mais ainda pra ela se acostumar completamente com isso. Mas ela se acostumou e nossa pequena vida quase perfeita retomou sua rotina normalmente.

A vida, no entanto, tinha planos diferentes pra gente.

 •Demally• √ U͜͡n͜͡r͜͡e͜͡a͜͡c͜͡h͜͡a͜͡b͜͡l͜͡eOnde histórias criam vida. Descubra agora