CAPÍTULO 7 - Meses depois

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Outro ano chegou, e Tia Yara se preocupava comigo cada dia mais. Os meses se seguiram, e novamente, eu era a mesma que sempre fui. Eu não falava com ninguém, eu não queria ver ninguém, ia pra escola porque era obrigada, e eu ia muito mal nas aulas.

Todas as noites eu sonhava com a mesma cena de novo. Eu descia as escadas correndo, chegava na porta e via o carro arremessando-a longe, depois fugindo. Correr até onde ela estava e ouvir: "Não tem problema, Vê. Vou encontrar com a mamãe e o papai".

Mas com o tempo eu consegui parar de me culpar, isso me ajudou bastante, fazia a dor ser menor. Voltei a responder aos bom-dias de Tia Yara, mas nada muito além disso. A falta que eu sentia da Lu, era insuportável, e pra completar, ainda tinha que lhe dar com a ausência do Pierre.

Quinze anos. Primeiro ano do ensino médio.

Sabe. Eu queria muito que Pietro estivesse por perto pra ver isso.

Dois anos depois e a nossa foto, a bolsinha e o chaveiro dentro da gaveta continuavam dentro da gaveta do meu criado-mudo, mas todas as noites, quando ia dormir, eu pegava o chaveiro e o envolvia na palma da minha mão. Depois eu o pendurava na minha cabeceira, porque, pra mim, aquele era o único jeito de dormir segura.

O chaveiro do Pietro era como meu amuleto da sorte. Eu o levava aonde quer que eu fosse, e eu sabia que enquanto o tivesse, estaria bem. Ainda era chato não poder lanchar com ele.

Também sentia muita falta da Malu, mas chorava com um pouco menos de frequência. Eles ocupavam a minha mente a maior parte do dia, então eu precisava fazer alguma coisa além da escola pra isso poder mudar. Resolvi fazer uma atividade extracurricular para por minha mente em ordem: arrumei um trabalho. Dali a 3 anos eu ia precisar sair do orfanato, precisava ter uma garantia de vida. E precisava esquecer um pouco o Pietro e a Malu.

Demorou um pouco da diretora do orfanato permitir que eu saísse pra trabalhar, mas Tia Yara a convenceu de que isso me faria bem.

Agora eu era auxiliar de ensino de uma turma de alfabetização, e eu me dava tão bem com aquilo que não demorou muito para que eu assumisse uma turma sozinha.

Eu ganhava bem para uma adolescente de 15 anos que não tem preocupação de pagar absolutamente nada. Eu não gastava nada do meu dinheiro, pedi pra Tia Yara abrir uma poupança pra mim, e tudo que eu recebia, guardava.

Além disso, eu lavava roupa para algumas pessoas nos fins de semana, e fazia trabalhos escolares para minha série, e também séries anteriores à minha, serviços que me renderam um bom dinheiro, e, com certeza, ocupou a minha mente.

Em um ano eu tinha pouco mais de 20 mil reais, o que era suficiente para comprar uma casa pequena, isso me deixava tranquila, pois quando precisasse deixar o orfanato aos meus dezoito anos, eu teria uma estabilidade financeira para poder me virar sozinha.

Quando as férias do primeiro ano chegaram, Tia Yara me chamou para passar uma semana no sítio da família dela, junto com seus filhos. Ela nunca havia me dito o nome deles, apesar de sempre falar dos dois. Eu só sabia que um era um rapaz mais velho que eu e estudava Matemática, e outra era uma menina mais nova, um ano atrás de mim na escola.

Eu já estava acostumada a sair do orfanato por conta dos meus trabalhos, mas, aquela seria a primeira vez que eu teria contato com uma família, principalmente depois que a Malu se foi, porque ela foi, até aquele tempo, a minha única família.

Eu não me relacionava com ninguém com idade próxima a minha, as minhas únicas relações eram realmente acadêmicas e profissionais. Continuava sem amigos, continuava caladona na minha, faltava pouco mais de um mês para que eu completasse dezesseis anos e precisava ser no mínimo cordial com uma menina que estava prestes a fazer quinze anos, e um rapaz prestes a completar vinte.

Eu achava que era demais pra mim. Estar com eles, na casa deles, no sítio deles, me trazia no mínimo a obrigação de conversar com eles e ser cordial, mas eu não sabia se estava muito disposta a isso.

Depois de muita, muita, muuuita conversa com Tia Yara, a diretora do orfanato, e até minha terapeuta (não tinha contado pra vocês, mas depois do falecimento da Malu, eu passei a aceitar a terapia), elas me convenceram a ir.

Era sábado, 6 da manhã, eu já estava de pé, e pronta, apenas esperando Tia Yara chegar pra me buscar. Até com uma certa ansiedade.

Buzina de carro. Desci correndo com minhas coisas, mas no meio da escada voltei, faltava algo.

Não, eu não poderia sair sem levar aquele porta-retrato, minha bolsinha, e meu chaveiro. Enquanto estava no quarto, Tia Yara gritou da escada que já havia pego as minhas coisas. Coloquei meus objetos pessoais dentro da bolsinha e a pendurei no meu ombro.

Desci correndo, e, nossa, que legal, caí no meio da escada e fiz um belo corte na testa. Corri pra cozinha e botei gelo naquilo, não tava funcionando muito. Tia Yara apareceu acompanhada de um rapaz pra me chamar.

Céus.

Era o Pietro.

Não pode ser.

O Mistério de Emma SueWhere stories live. Discover now