CAPÍTULO 2 - Bom dia, senhorita

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Eu sorria.

Eu ouvia meus colegas cochichando coisas como: "Ela está diferente hoje", "ela está radiante hoje", "há algo leve nela", "ih! Olha lá! Ela está sorrindo!"

Eu tinha um colega. Ah vá.

Eu tinha vários colegas, claro, mas um em especial.

Ele nem estudava na minha sala, era quatro anos mais velho que eu, quando eu estava na quarta série, ele já estava na oitava. Naquela época a diferença em nossa idade era bem significante.

Ele sentava ao meu lado na hora do lanche.

Enquanto todos se afastavam, ele me procurava.

A gente nem se falava, nós apenas sentávamos ao lado um do outro. Ele chegava e dizia "bom dia, senhorita", eu sempre pensava "quem é que diz senhorita no século XXI? Esse cara vive no século passado.", mas sorria em resposta. Acho que ele era a única pessoa que eu ria naquela época.

No dia em que respondi a Tia Yara pela primeira vez, ele, que nunca me disse muito mais do que "bom dia, senhorita", me perguntou:

– O que aconteceu? Você está diferente. Arrisco até a dizer: radiante.

– Não é nada. - Respondi baixinho. - É apenas impressão sua.

– Sabe como eu sei que é alguma coisa? - Olhei para ele. - Essa é a primeira vez em que você fala comigo. É a primeira vez que ouço sua voz.

– Eu sorri para ele e voltei para o meu sanduíche.

– Você já reparou como nossos lanches sempre são iguais? _ Ele perguntou.

– Desde o primeiro dia, há quatro anos.

– Você é muito perceptiva, senhorita.

Não conversamos muito depois disso. Mas eu passei a responder todos os "bom dia senhorita" dele com mais que um sorriso. Nos falávamos as vezes, riamos dos nossos lanches sempre iguais. Eu já estava sempre esperando por ele por que tinha certeza que ele sempre chegaria.

Mas houve um dia que ele não chegou. Eu fiquei tão triste, tão aflita. Já era o último ano dele, ele estava no terceiro ano do ensino médio, eu na sétima série do ensino fundamental, já era bem chato ter que conviver todos os dias com o fato de que era o meu último ano com ele.

Já havia alguns anos que eu respondia aos cumprimentos de Tia Yara, até conversávamos um pouco sobre o que eu havia aprendido na escola, sobre como eu odiava trabalhos em grupo e de apresentações, ela me contava sobre como amava a sua família, mas nunca era nada demais. Eu não falava com ninguém, além de Tia Yara e com aquele menino as vezes. Mas mesmo que eu não falasse com ele, ele sempre estava lá. Como Malu.

No dia em que ele não foi, eu fiquei realmente triste. Cheguei no orfanato bem sem graça, mal almocei. Depois do almoço eu sempre costumava cochilar um pouco antes de estudar. Tia Yara sempre me fazia companhia, conversávamos um pouco, até eu pegar no sono, neste dia não foi diferente.

– Vamos lá. O que aconteceu hoje?

– Nada demais, Tia Yara, só o de sempre.

– Não mesmo. Você chegou muito tristinha hoje.

– Bem... Eu acho que eu tenho um amigo.

– Olha só! E você está triste por isso?

– Não. Estou triste porque ele não foi à escola hoje.

– E sentiu falta dele, não é mesmo? _ Assenti com a cabeça. - Ele é da sua sala?

– Não... É do terceiro ano. Já é difícil saber que ele não estará lá o ano que vem e ele ainda falta...

– Faz pouco tempo que você o conheceu?

– Na verdade não. Desde a minha primeira série ele lancha comigo.

– Você se relacionava com alguém antes dos 10 anos?!

– Sim... E não... - Havia mais do que eu queria contar. - Nós não conversamos muito. Apenas nos fazemos companhia na hora do intervalo.

– É assim desde a sua primeira série?

– Sim, mas na quarta série começamos a conversar um pouco mais.

– Isso é realmente uma surpresa. Mas, não precisa se preocupar. Ele voltará amanhã.

Eu não sei como a Tia Yara tinha tanta certeza de que Bom Dia Senhorita voltaria no outro dia, mas ele realmente voltou.

Pela terceira vez na minha vida eu abracei alguém.

Pela segunda vez o abracei.

Vê-lo ali, depois de um dia sem aparecer, depois de tanto medo de que ele sumisse para sempre, me fez lembrar de um episódio do ano anterior, quando nos abraçamos pela primeira vez.

O Mistério de Emma SueUnde poveștirile trăiesc. Descoperă acum