Aquela noite...

419 24 17
                                    

 
  A cena a frente do Capitão era inédita e assustadora. 
 
  O pai de Luccino gritava com ele, xingando ele e Dona Nicoletta, até mesmo pra cima de Otávio ele partiu, lhe acusando de perversão, Otávio tentava ao máximo manter uma posa firme, tanto para tentar dar apoio a Luccino, quanto porque não queria demosntrar fraqueza frente ao italianão.

  Luccino mantia o corpo curvado de medo, após ser pego acariciando o rosto do capitão. Os olhos marejados, os lábios tremendo diante da ameaça. Otávio não conseguia assistir a cena sem reagir, tentando proteger Luccino.

— Eu vou acabar com você! —  Gaettano partiu para cima de Luccino novamente, fazendo sangue de Otávio ferver, ele não permitiria tamanha violência contra Luccino.

— O senhor não ouse tocar no Luccino! — Otávio se aproximou, haviam lágrimas em seus olhos mas ele não as permitiria escapar, o dedo em riste, a voz levemente embargada tentando proteger o italiano da violência do pai. — Eu não vou permitir que o senhor toque nele!

Embora pudesse ver um resquício do que poderia chamar de sorriso surgir e desaparecer no rosto de Luccino, o mesmo pedia que o capitão deixasse sua casa, para que ele pudesse explicar tudo.

Otávio não queria ir, mas diante do olhar suplicante de Luccino ele não teve outra opção. Foi como se lessem as mentes um do outro.

— Luccino...? — O capitão poderia duvidar do que Luccino acabava de dizer ou fazer, mas olhando no fundo de seus olhos negros, que lhe pediam que o deixasse resolver aquilo. Otávio queria, precisava e iria confiar em Luccino.

  Ele respirou uma última vez e foi em direção a janela, mas vendo que não havia mais necessidade de se esconder, ele se virou, alisando seu terno e saindo pela porta.

Ouvindo o baque dos passos do capitão ficarem cada vez mais baixos, ele falava rápido, um turbilhão de pensamentos invadiam sua mente e ele colocava as mãos na cabeça, tentando usar as melhores palavras que encontrara.

— Eu gosto do capitão, mama, ele gosta de mim. Não há sem-vergonhice nenhuma. — Dizia ele, a voz embargada, encarava aquelas palavras, agora claras em sua mente. Tão reais agora, mas ainda assustadoras. Luccino demorou para admitir para si mesmo que se atraía pelo capitão, tentando não se torturar com os próprios pensamentos. E agora ele finalmente admitira isso pra si. Mas infelizmente ele não poderia ficar feliz nem mesmo esboçar o menor dos sorrisos, pois ao proferir estas palavras, podia ver os rostos de seus pais. O rosto furioso do pai e o rosto decepcionado da mãe.

— Arruma suas trouxas! E some daqui! — Disse seu pai. As últimas palavras que ouvira dele antes que o mesmo saísse pela porta.

Ele procurou alento no olhar da mãe, numa última e mísera esperança de conseguir abrigo para si, para sua mente, para sua confusão. Mas sua mãe o olhava sem compreender, como se não reconhecesse.

Mama , é isso que você quer também ? — Ele questionou, a voz completamente afogada nas lágrimas que já começavam a escorrer dos seus olhos.

Mas sua mãe não disse nada, apenas saiu junto do pai, deixando Luccino sozinho, isolado, perdido. Sem nada nem ninguém  que o pudesse amparar. Quem dera Mariana estivesse ali, ela iria ajudá-lo, mas não havia ninguém no quarto. Luccino estava sozinho com os próprios pensamentos, as próprias lágrimas e agora isso eram as únicas coisas que tinha.

Deixou-se sentar na cama, pois já não tinha forças para manter-se em pé. Não sabia mais o que sentia. Sua mente estava tomada pela imagem do capitão o defendendo, o olhar furioso do pai, a feição decepcionada da mãe,   cada frase, cada palavra entrando e saindo, repetindo de novo e de novo.

"Um motivo pra lutar"

"Eu sabia que havia algo de errado com você!"

"Não ouse tocar no Luccino!"

"O que está acontecendo, meu filho ?"

"Luccino...?"

"Você não tem mais família!"

Cada frase e cada palavra ia e vinha, num turbilhão invadia sua mente. Ele não sabia o que estava acontecendo e queria apenas gritar, numa tentativa de se livrar daquilo, aplicara um golpe com a mão aberta sobre a perna da cama. Uma sensação dolorosa percorreu seu braço, mas não suficiente para cessarem os pensamentos desesperados do italiano.

De modo rápido, quase automático, ele jogava suas roupas dentro de uma mala. Sem coragem de encarar seus pais, ele pula a janela, correndo em direção ao único lugar onde realmente se sentia livre, o único lugar que chamava de lar. De maneira rápida e desajeitada, de modo desesperado e descompassado, ele corria em direção a oficina. A noite era silenciosa, o que só tornava mais alto ainda os pensamentos de Luccino, que berravam em sua mente.

Abrindo a oficina, ele se direcionou a um carro, se colocando dentro do mesmo, respirando ofegante, tentando concertar a visão apenas na noite afora, conforme sua respiração ganhava tempo e intervalos adequado, ele sentia o cansaço pesar seus olhos, os pensamentos agora se calando lentamente, e ali, Luccino dormiu, se entregando a um nível exausto de entrega, ele precisava daquilo, espairecer, dormir, esquecer ou pelo menos, desanuviar e tranquliizar-se um pouco. Tudo naquela noite o marcaria pra sempre.

As palavras de seu pai.

A confusão na face da mãe.

Mas acima de tudo...

A conversa que tivera com o capitão estava gravada em sua mente. O sorriso doce de Otávio para ele, cada palavra que dissera. E era com aquela cena que ele sonhava. De novo e de novo. Sempre parando naquele toque próximo que estavam.

Era com Otávio que sonhava aquela noite.

E era com Otávio que ele queria sonhar por todas as noites seguintes.

Contos LutávioWhere stories live. Discover now