Capítulo 13 - (Quase) todo mundo

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Pedro ficou muito feliz. Aos dezesseis anos, sentia-se honrado com a responsabilidade de tomar conta da barraca sozinho. Regina e Raul, seus pais adotivos, vieram trazer-lhe um lanche às dez em ponto, coisa da mãe, sempre organizada. Aliás, não costumava mais chamá-los de adotivos. Eram mãe e pai. E pronto! Pareciam felizes, assim, juntos de novo, apaixonados. Assim Pedro os via. Havia uns dois anos que estavam desempregados, vivendo de freelas e bicos, coisa que Pedro não entendia muito bem. Fato é que a rotina em sua casa tinha mudado e preferia ser o jovem aprendiz de João do que de um banco qualquer. Estava justo tentando uma vaga, em instituição financeira do gênero, quando conheceu o livreiro e seus papo literários, ancorados em fila interminável. Aqueles papos lhe abriam a cabeça de um jeito que não sabia nem por onde começar a explicar.

Algo mudara, também, em Cecília. Seus olhos corriam João, o mesmo João de quem antes teria corrido. Investigavam rugas recentes, olhos profundos e gestos em que nunca reparara antes. Tudo aquilo lhe era confortável, aqueles traços de experiência e passado. Surpreendia-se ao ver que, na conversa, era ela quem parecia estar repleta de segundas intenções enquanto ele tentava apenas se reconciliar de forma sincera. João não queria deixar para trás nenhuma má energia ou mal-entendido desnecessário. Como mentor de Pedro, sentia-se inspirado a um novo tipo de responsabilidade perante os demais. Então, tentava se livrar de Cecília não sem carinho, percebendo que amizade ali não haveria. Preocupava-se, porque um dentre os muitos casais de cuidadores de Pedro ficara de levá-lo para almoçar. Se ficasse de papo ali, o menino perderia a hora.

O casal em questão era composto por Renata e Ricky, que não estavam mais juntos e chegaram mesmo muito antes que João voltasse. Ao menos, já não brigavam com Regina e Raul, limitando-se a saudá-los quando partiram para "um cineminha de matinê." Pedro ainda se sentia sortudo por contar com uma família tão variada e grande que fizera o esforço de acertar por ele. Ricky era engraçado, um tipo de humor leve e bobo, que fazia brotar gargalhadas sem esforço. Renata agora fazia faculdade, não queria "saber de casório nem tão cedo", mas Pedro não via motivo para perder o contato com o padeiro. Mesmo assim, com o coração um tanto apertado, aproveitou-se que João não havia chegado e contou uma mentira: precisaria ser liberado do almoço.

– Não vou poder, desculpa, João saiu... Coisa de última hora. Urgência mesmo!

A justificativa de Pedro cresceu ao ponto de quase virar plot de novela, amparada pela vocação criativa que sempre seguira com ele. Mas não cresceu ao ponto de segurá-los muito tempo ali, pois tinha medo de que João voltasse e seu contato com o pai ligasse, fazendo com que perdesse a chance por que tanto esperava. Pai esse que, no caso, era o biológico. Há uns três meses, Pedro identificara na net uma ex-namorada do pai –  uma tal de Rachel de quem ouvira falar na casa da mãe Renata e isso há tempos. Na mensagem enviada, pedia o contato de Michel sem dizer quem era e, aos poucos, arrancara de Rachel uma pista que podia lhe aproximar do único homem a quem todos em sua família odiavam unanimemente. Assim, Pedro e Michel foram parar em um quilo da Senador Dantas. A promessa era de que Michel convidava, mas, no final, Pedro pagou a conta. Do diálogo, para o filho, ficou:

– Rachel deve me odiar, né?

– Ela nem sabia que eu existia.  

– Então agora é que me odeia mesmo...

– Ela disse que você trocou de nome.

– Você vai me denunciar?

– Por quê?

– Ah, você sabe...

Pedro não soube ao certo como se sentia. Decepção, pensou, era palavra muito forte para usar naquele caso. Acontece que sabia do pai, da história com a mãe e já era grande o suficiente para entender o que ele fizera. Também já era grande o suficiente para ter ouvido histórias parecidas, aqui e acolá, de vizinhas, colegas (e até uma prima!) que se casavam muito antes de completarem a maior idade. Não se decepcionava, porque não esperava um modelo de conduta e retidão. Então, depois da sobremesa que ele mesmo pagaria, ficou se perguntando sobre o que esperava, enquanto o pai relatava aventuras como professor. Impressionou-se ao perceber que Michel tinha carinho pelas aulas que dera até o ponto em que as abandonara.

O Messias de AntoniaWhere stories live. Discover now