Capítulo 12 - Encontro Marcado

Start from the beginning
                                    

Foram a um restaurante. Recentemente, Felipe chegara à conclusão de que, talvez, não proporcionasse bons encontros às mulheres por quem se interessava. Extraíra a informação de um papo com colega de trabalho, depois de ouvir que "nós, mulheres, queremos ser bem tratadas." E estava disposto a fazer diferente, repetindo a frase como um mantra. Zona Sul da cidade, vista para a praia, coisa fina de gente chique. Nesse ambiente, descobriria que Antônia era uma mulher cheia de assuntos, um tanto assustada, contadora de piadas engraçadas e bonita, "mas não unânime." Ela usava um vestido apertado. Conversava movendo mãos e ombros de um jeito que ele achava sexy. Parecia não ter muita consciência de seus atributos, embora não fossem poucos, nem o que ele chamaria de sutis. 

Depois de meia hora entre futilidades e gostos que não batiam, Antônia começou a relaxar e Felipe percebeu-se muito atraído por ela. E não apenas no quesito "sair da seca." Ali estava o que chamaria de "mulher com conteúdo". Porque Antônia pegava as coisas que ele dizia e discutia, filosofando um pouco em cima. Era estranho de início e, talvez, fosse vício de professora. Mas, com o tempo, Felipe foi abrindo a guarda para variar. Algo nela parecia dizer: "tudo bem se transarmos depois, já somos conhecidos" e ele descobriu que ansiava por algum tipo de intimidade. Na fase de esbarrar de mãos, Felipe sentiu que eram compatíveis. E notou um olhar, entre a chegada da comida e a primeira garfada dela, que confirmou-lhe que não iam mais fingir que aquilo era um jantar entre amigos.

Na hora do pudim, desandou: Antônia quis contar histórias tristes e decepções amorosas. Felipe só ouvia "estou carente" e "quero colo", por isso pediu a conta o mais rápido que pôde sem ser grosso. Caminharam de volta ao carro, enquanto ele a enchia de olhares sacanas. Quando a agarrou, ela não resistiu, virando-se de encontro a ele do banco do carona, embora parecesse meio travada ainda. Felipe fez questão de avançar nos amassos, passando a mão por todos os lugares proibidos pelo decoro público. Afinal, pensava, aquela era a hora de fecharem ou não o acordo. Em seu monólogo interior, repetia: "está entendendo que é isso que eu quero? Isso e nada mais!" Esperava, sinceramente, que ela captasse a mensagem.  

Então, dirigiu correndo até sua casa, crente que Antônia desistiria a qualquer momento. Porque muito de seu brilho havia sumido pós-amasso. Felipe sabia, mesmo excitado como estava. Tentava, portanto, ignorar a curiosidade sobre o que ela devia estar pensando: que ele não era bom o bastante? Que beijava mal? Que não era "o cara certo"? Estaria ela preocupada com a filha que, talvez, ainda estivesse passando mal ao lado da avó? Sentindo-se culpada por abandonar a pequena? Não, respirou, não ia seguir esse curso. Não era obrigado a cuidar da história triste dos outros sempre. Tinha o direito de aproveitar uma noite que fosse. 

Então, deu de imaginar putarias, aumentando-lhes o volume. "Vou mamar nesse peito até não poder mais" e a mão escorregava por debaixo do sutiã, a outra ainda ao volante, mas encarava Antônia e o que via parecia desconforto. Ou melhor, uma segurança fingida, segurança de quem finge que está tudo bem quando preferia estar longe. Não, Felipe respirava, apalpando-lhe a bunda por baixo do vestido. "Vou cuidar de você sim, do jeitinho que você precisa." Mas olhava para Antônia e não via mais intimidade. "Concentrar no peito e na bunda", pensava. Entraram na casa dele, bagunçada e suja. Não deu tempo de ter vergonha, como Felipe, normalmente, teria. Jogou Antônia na cama, sentindo-se em meio a uma cena de filme pornô. 

Antônia, por sua vez, sentia-se estranha. De alguma forma, acompanhara o roteiro e a coisa toda parecera se perder em algum lugar. No momento em que ele entrou nela, estava tentando se lembrar de quais eram os dois itens que faltavam em sua lista de compras para o dia seguinte. Tinha quase certeza de que comprara sabão em pó, mas teria de checar. Absorventes havia aos montes, da promoção de dois pacotes com trinta e seis. Demorou a perceber que evadira. Não que não tivesse gostado de Felipe. Ele simplesmente parecia não querer estar muito lá, assim, de corpo inteiro. Ou algo do gênero. Parecia assustar-se sempre que ela falava de qualquer coisa que fosse real – qualquer menção a relacionamentos, sentimentos ou expectativas era cortada da conversa sem dó nem piedade.

Antônia foi ficando muito, muito cansada. Um cansaço que já conhecia bem, mas que, dessa vez, vinha-lhe sem os costumeiros pensamentos incessantes. Era apenas um cansaço vazio, diante daquele homem que parecia querer excitá-la a todo custo, como se fosse questão de honra e houvesse mesmo um manual. Gemeu, esperançosa, encorajando um ou outro toque mais acertado como pôde. Quis ver o copo meio cheio, ouvindo de longe as amigas que diziam que ela precisava de uma "vida sexual ativa." Mas, para Antônia, aquilo tudo era excessivo, profissional e quase distante. Sentia-se um modelo vivo em uma competição de desenhos de nu artístico, onde cada quadro deixava a vaga lembrança de como sexo podia ser bom, um dia, quem sabe.

Felipe, por outro lado, parecia satisfeitíssimo e prestes a repetir a dose. Antônia apenas deixava-se ali, cada vez mais silenciosa e esperando que ele não perguntasse nada, como cientista que examina um fenômeno objetivamente. E o cansaço foi ficando tão grande que caiu no sono, ali mesmo, com Felipe entre as pernas. Ele demorou um pouco a perceber. Depois, foi tomado por um enjoo que não sabia de onde vinha. Ficou tão mal que teve de correr para vomitar às pressas no banheiro. Quase não chegou ao vaso. Trancou a porta e ficou por lá mesmo algumas horas. Não conseguia chorar, mas queria. Na verdade, não conseguia querer chorar, por mais que soubesse que lhe faria bem.

Antônia acordou meio zonza e percebeu que estava só no apartamento. Dia claro. Levantou-se em um salto, procurando bilhetes, checando o celular e testando a porta. Estava aberta. Não sabia como podia ter caído no sono daquela maneira a ponto de virar a noite em uma cama estranha. E com um estranho. Aos poucos, flashes da noite tomaram sua mente somadas à pena do pobre Felipe que tanto queria fazê-la gozar. Logo, pôs-se a passear pela casa –  um conjugado charmoso, cozinha americana, geladeira vazia, roupas espalhadas por quase todo perímetro. Algo novo ia crescendo em seu peito, à medida que se aproximava da janela e inspirava profundamente, olhos postos no mar distante para além da Praça Mauá. "Foda-se", seu peito dizia, já com todas as letras, de forma que pensou em gritar. "F-O-D-A-S-E!" 

Não gritou, no entanto. Contentou-se em ajeitar o vestido como pôde e afofar os cachos com as mãos diante do espelho do banheiro. A alegria dava-lhe viço à pele. Finalmente, depois de tantas e boas maneiras, chegara ao ponto em que era incapaz de mentir ou fingir. 

Naqueles breves momentos, entendeu o poder do fracasso.

Entendeu que nem tudo é fracasso.

E voltou para casa: livre, leve e solta.

O Messias de AntoniaWhere stories live. Discover now