Capítulo 5

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Siqueira fumava um cigarro atrás do outro enquanto observava o barco retornar até a margem. Impaciente, passava a mão pelo rosto avermelhado, alargava ainda mais o colarinho enquanto gotas grossas de suor brotavam em sua fronte que ele secava com a manga da camisa enrolada até o cotovelo. O calor abafado daquela manhã era até pior do que o frio gélido de um mês antes, deixando-o ainda mais impaciente.

— Mas que droga, Sebastião! Dá para chegar mais rápido? – gritou para os dois homens que remavam calmamente.

O delegado tinha pressa. Queria acabar com aquilo rápido antes que a notícia se espalhasse pela cidade e atraísse uma multidão até ali. Andando de um lado para o outro, dava a última tragada antes de pisar sobre a guimba que lançara ao chão de terra úmida. Encostado em uma árvore próxima, Pimentel observava a água em silêncio, também fumando seu cigarro. Tinha a expressão abatida e cansada, o terno marrom pendia amarrotado de seus ombros; a gravata afrouxada, estava torta. Bolsas haviam se formado sob os olhos inchados em nada lembrando o amigo que conhecera tão logo entrara para a polícia, anos antes. Roberto era como um irmão, mas havia se entregado à bebida de uma forma tal que sobrara pouco do investigador atento e interessado. Ultimamente, Siqueira tentava de todas as formas encobrir aquela situação fingindo não notar quando ele bebia durante o expediente. Perdera as contas das vezes que o amigo lhe mentiu, jurando que não havia bebido quando tudo indicava o contrário; em outra fase, se dizia arrependido por ter fraquejado de novo. Agora, a situação estava se tornando cada vez mais insustentável ainda mais com a iminência de um assassinato para ser investigado. Pimentel não teria condições...

Acendeu outro cigarro que tragou com impaciência fitando a figura do velho Massatomi escondido entre a mata com o neto. Ordenara que ele voltasse para casa, mas havia sido inútil, a curiosidade falara mais alto. Atrás de si ouviu passos rápidos que amassavam galhos e folhas até que uma silhueta começou a se destacar em meio às sombras das copas altas das árvores.

— O que pensa que está fazendo aqui?

— O mesmo que o senhor, delegado Siqueira. ­– respondeu Cecília, aproximando-se da margem no mesmo instante em que o barco preparava-se para ancorar.

— Como chegou aqui? – A cada pergunta, a irritação de Siqueira aumentava. Ele lançou um olhar severo a Pimentel que apenas deu de ombros. Óbvio que ele não sabia de nada uma vez que o amigo o tirara do bar onde já havia tomado alguns tragos após três dias de abstinência.

— Táxi. – retornou a tenente com simplicidade, passando por ele em direção à margem e cumprimentando o detetive com um gesto de cabeça.

Ela conseguia ser insuportável, mesmo que não dissesse nada. A simples presença da "tenente" o incomodava. O que uma mulher tinha de se meter em assuntos da polícia? Onde estavam com a cabeça quando permitiram o ingresso delas na corporação? Siqueira estava pronto para enxotá-la, mas desistiu ao também notar que Sebastião descia do barco para puxá-lo até a beira da água. Pimentel, com passos ligeiramente oscilantes, rumou até ali juntamente com o delegado, ambos se inclinaram para ajudar a puxar o bico da embarcação até que ela estivesse em terra firme.

Os dois homens se inclinaram, assim como Cecília. Enquanto debruçava-se sobre o pequeno barco, a tenente sentiu o coração pesar ao reconhecer ali o cadáver da moça bonita que um dia havia sido Clarice. Como se houvessem combinado, Pimentel e ela se entreolharam em silêncio enquanto Siqueira praguejava. Se, por um lado estava aliviado em encontrar a moça, por outro, já imaginava o tumulto que aquela morte iria gerar em uma região relativamente tranquila como a que viviam.

Cecília desviou, ainda que involuntariamente, os olhos daquela cena triste; o estômago começando a se revirar. Já havia visto um cadáver antes, no caso do assassinato da garçonete na estação de trem, mas ainda assim, era uma cena chocante. Talvez porque aquela visão representasse o fim de tudo, o fim que quase todo ser vivo teme: a morte, o deixar de existir. Fechou os olhos por alguns segundos, tentando controlar a respiração ao deparar-se com pequenos pontos escuros em seu campo de visão. Fingiu que apoiava-se à beira do barco para analisar melhor o cadáver quando sentiu a vertigem tentar tirá-la do eixo. Não, causar uma cena naquele momento estava totalmente fora de cogitação. Lembrou-se da confiança que a comandante havia lhe depositado ao entregar aquele caso, o olhar de súplica de dona Leonor, a moça de ar enigmático da foto e, sim, sua carreira. Por mais que lhe fosse caro o patrulhamento na Estação da Luz e a ajuda que prestava a tantos desvalidos que passavam ali, almejava mais. Queria um posto de destaque dentro da inteligência da polícia, algo um tanto ousado para uma mulher em um ambiente tão masculino quanto aquele, mas ou alcançaria seu fim ou morreria tentando.

A Árvore dos Frutos Envenenados - Degustação Where stories live. Discover now