❝ harmonizar ❞

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[ conto ]

As folhas que não vejo


Há milhares e milhares de passos do grande Reino Buildings, em uma cúpula transparente cercada por seres selvagens, uma árvore solitária, cuja origem era desconhecida a todos os viventes, estava perdendo as suas folhas. Uma por uma, as pequenas partes dos galhos robustos dançavam em rodopios desconexos até o chão.

Todas as espécies, até mesmo aquelas que não sabiam como, tentavam ajudar a grande árvore de raízes fortes e cores vibrantes a sobreviver. Os vertebrados a protegiam e os invertebrados a apoiavam, os ventos a faziam sentir-se aliviada, os céus a cobriam com bons climas e, em sintonia, toda a natureza trabalhava.

Porém, há milhares e milhares de passos do Reino Greenish, em espaço aberto exposto e solitário, um garotinho franzino, cuja origem há tempos vinha sendo estudada, estava perdendo a sua alegria. Um por um, os seus sorrisos deixavam de aparecer, suas expressões só carregavam o franzir inevitável de cenho e seus pés arrastavam-se pelo chão.

Nenhum humano se importava o suficiente para ajudá-lo, nem mesmo os seus progenitores preocupavam-se verdadeiramente em descobrir a solução para a sobrevivência do garotinho tristonho. Ninguém o ouvia com atenção, todos estavam sempre ocupados demais, correndo contra o tempo, fugindo da vida; ignorando a situação.

A causa da solidão da grande árvore era a insensibilidade do povo do Reino Buildings, pois, devido a uma densa fumaça negra que tomou conta da sua casa, toda a sua família havia sido infectada. Máquinas gigantes e barulhentas estavam a todo tempo perturbando a paz daquele lugar, havia se tornado impossível florescer, crescer, frutificar. Todos em prol de uma espécie rara, onde a única sobrevivente precisava de compaixão para poder voltar a semear.

Os seres do Reino Greenish lutavam dia e noite, decididos a resistir.

O povo do Reino Buildings lutava dia e noite, cegos em destruir.

A causa da tristeza do garotinho franzino era o seu próprio povo. A insensibilidade dos homens racionais, o individualismo de cada família e a cegueira precoce de cada indivíduo. A irresponsabilidade do seu povo estava tornando-se fatal, tóxica e irreversível, seu coração queimava pela justiça, mas suas mãos eram fracas e ineficazes.

Os anos passaram para todos, revelando a transformação do garotinho reprimido em homem e da árvore doente em semente. O adulto tornou-se frio e calculista enquanto o broto, verde e altruísta. O povo do Reino Buildings continuou com inclinação ao desamor, ao descuido e a irresponsabilidade, entretanto, o povo do Reino Greenish, ao amor, ao cuidado e a responsabilidade.

Os Greenish eram vida e os Buildings eram fortuna.

Então, há milhares e milhares de anos, foi descoberta a cura para a sobrevivência, onde uma árvore rara e um garotinho sonhador lutaram pela vida, pela harmonia e pela junção dos Reinos que teimavam em separá-los. O antídoto surgiu da resistência e foi batizado de "consciência".

Na história, não chegou a ser registrado, mas tinha um segredo dentre aqueles desafortunados: mesmo havendo a separação dos povos, o pequeno garoto costumava visitar a grande árvore. A amizade dos dois faleceu com ambos, mas deixou frutos infindáveis para, quem sabe um dia, a força imponente dos Buildings poder fazer somente o bem para os Greenish, vivendo em união, em harmonia, sem uma relação de interesse e de exploração.

E, se alguma folha tivesse de cair, que caísse por pura precisão.

PÉTALAS SOLTASWhere stories live. Discover now