❝ ser ❞

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Caindo.

Caindo e despedaçando-me.

Uma queda livre.

Assustadora.

Chega a doer os ossos por sob a pele.

Uma dor que só um sonhador pode sentir.

Olhei em seus olhos desafiadores e soube na mesma hora: meu coração estava sendo testado.

"Por que você quer tanto isso?", a Frustração não me deixava pensar. "Desista, desista agora, antes que o caminho se torne ainda mais íngreme e a queda cause danos permanentes", sentia seu riso formigar a minha pele.

Minhas mãos estavam entrelaçadas em uma agonia infinita, pousadas sobre minhas coxas trepidantes.

Puxava o ar para os meus pulmões, sentia todo o processo arder.

Minha mente era turbilhão de marteladas estridentes. Ninguém conseguia fazer a insanidade parar de me encarar. Os pelos dos meus braços se arrepiavam em uma dança mórbida do fim.

Queria sumir.

Desaparecer como água que escorre pelo bueiro. Que segue o seu curso, sem nunca voltar para o mesmo beco. Como folha perdida ao vento, sendo jogada de um lado para outro, sem nunca saber onde irá pousar.

Queria ser levada.

Empurrada.

Jogada de um precipício onde somente a certeza do fim é um tormento.

Não queria mais sentir a brisa leve da esperança, nem meus instintos traiçoeiros e bobos me levarem a um sonho impossível.

Queria poder nascer novamente para ter a opção de vir ao mundo sendo uma pessoa normal. Sem encanto, sem magia ao olhar o mesmo céu com as mesmas estrelas, todos os dias, como se fosse a primeira vez. Sem nunca ter alimentado em mim um olhar brilhante para as coisas feias. Poder lutar por algo comum, sentar a mesa com pessoas iguais a mim, sem me sentir diferente ou fora de órbita.

Queria ser homogênea, uma massa mista de sentimentos conflituosos, porém, sem a dor de ser um sonhador.

Nada me parecia mais doloroso do que isso.

Considerei levantar-me de súbito e sair pela porta.

alguns e estreitos passos me separavam da liberdade.

Do último suspiro.

Da desistência.

Sem me importar com o tempo em que perdi para estar ali.

Minutos antes eu queria lutar, ainda sobrava em mim resquícios de desejo e perseverança. Ainda se semeava dentro de mim a certeza de estar vivendo a razão pela qual eu nasci.

Mesmo que eu revogasse as minhas crenças, sentia-me beligerante.

Todavia, olhos rebeldes e selvagens, olhos malignos e perigosos me encaravam naquela sala.

Acúmulos de todos os anos em que fui colhendo o desafeto e as negações diante das minhas ideias e modo de ser.

Todos diziam sempre a mesma coisa: desista.

PÉTALAS SOLTASOnde as histórias ganham vida. Descobre agora