"Entra no carro"

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Mal me aproximando de casa pela estrada de terra, e já consigo avistar meu tio parado na porta, encostado no batente e com os braços cruzados. Aquela carranca feia de sempre me recepcionando com todo o ódio que ele sente por mim.

Eu não duvido nada que ele me venderia se pudesse. Dez pratas já resolveria.

Com certeza ele vai brigar comigo porque o almoço dele não está feito ainda.

Lar doce inferno.

Eu também não tive tempo. Estou trabalhando desde bem cedo hoje, minha primeira cliente foi às seis da manhã, pois era o único horário disponível dela. E tudo bem, fico feliz por estar conseguindo trabalho e feliz pelo meu dia estar sendo produtivo, pois depois dela, já atendi outras três moças.

Sinto meu estômago doer e ponho a mão sobre a barriga. Eu só queria comer alguma coisa antes de ter que começar o meu trabalho doméstico. Já são meio dia e eu não comi nada hoje ainda.

- Desculpe, tio - digo em um suspiro cansado quando já estou numa distância suficiente para que ele me ouça -. Prometo que já vou preparar...

- Entra no carro - ele diz, seco e grosso.

- Que carro? - que carro? Meu tio não tem carro.

Olho em volta e avisto um Chevette velho e empoeirado do outro lado da estrada. Onde ele conseguiu isso? E será que ainda anda?

Antes que eu pudesse criar teorias sobre o surgimento do veículo, sinto ele agarrar meu braço com força e começar a me arrastar até o carro que aparenta um dia ter sido vermelho.

- Onde vamos? - pergunto, na tentativa vã de soltar meu braço de sua pegada.

- Você vai embora - responde, fazendo um pouco mais de esforço para me mander sob seu domínio.

- O que? Mas e as minha roupas? Não posso ir assim - por mais que tenha sido repentino, não estou surpresa com essa decisão. Ele sempre falou que não via hora de me ver longe.

Ele nada diz. Então resolvo ficar quieta. Não preciso tornar esse momento mais humilhante do que já está.

Pela justiça ele só seria responsável por mim até eu atingir a maioridade, o que já aconteceu há mais de um ano atrás. E me admira que ele ainda não tenha me expulsado.

Assim que entramos, ele vira a chave — que já estava na ignição — do Chevette umas três vezes até conseguir ligar, o carro faz um barulho estranho vindo do capô e começa a tremer como se qualquer hora fosse se desfazer em pedaços.

Meu tio ignora e segue estrada à frente. Eu rapidamente trato de por o cinto de segurança. Tenho certeza que esse carro nunca conseguiria chegar à uma velocidade arriscada, mas eu nem sabia que meu tio dirigia e odiaria saber que não da pior forma.

• • •

Mais ou menos meia hora mais tarde em direção a parte nobre da cidade, adentramos a um bairro luxuoso que fica em uma ilha. Ilha esta tão grandiosa que comporta uma cidade inteira. Conheço este lugar, é onde a burguesia do estado vive.

Mas só a pergunta que martela em minha mente é: por que meu tio me trouxe até aqui?

Após mais alguns minutos dirigindo adentro, onde as pessoas olham o automóvel em que estamos com se fosse uma nave espacial – claramente uma nave espacial após sofrer um derrame – continuamos seguindo para uma parte mais remota até ele parar o carro em frente a um enorme e luxuoso portão, à distância dessa grandiosidade de ferro fica a mansão. Por um segundo me senti até no Instituto Chavier que via nos desenhos dos X-Men na minha infância.

GARANTIAWhere stories live. Discover now