GARANTIA

"Você quem não enxerga"

Já faz mês que vivo com Ramon.

Nesse último mês também o vi poucas vezes. Não voltamos mais juntos e só o vejo vez ou outra na hora de irmos para a boate, soube que ele está abrindo outro clube, vive ocupado demais.

Quanto a minha nova rotina? Está difícil. Ninguém se opôs quando dispensei a empregada para eu mesma fazer minha faxina, na verdade Ramon até me elogiou, disse que é bom eu me importe com minhas finanças, pois é assim que pessoas bem sucedidas começam. Só que eu sinto falta do cheirinho bom e constante que meu quarto tinha. Com esses meus produtos inferiores, não dura muito. Ando também bem mais cansada, assim que chego da boate faço minha faxina, às vezes demora um pouco — quando lavo o banheiro por exemplo —, mas penso que o esforço vale a pena para que eu fiquei livre desse acordo mais rápido!

Além de tudo também passei a racionar minha comida. Diminui a quantidade e espacei minhas refeições. Faço somente três ao dia, e hoje meu café da manhã foi uma maçã! Perdi peso nessas últimas semanas e estou preenchendo meus figurinos com tecido no interior para Ramon não reclamar que está folgado, porque realmente está!

Mas como nem tudo são espinhos, Fred me deixou livre do treinamento hoje, estou aproveitando para fazer algo que sei que é de graça: tomando sol!

Coloquei logo um biquíni e me deitei em uma das espreguiçadeiras ao lado da exagerada piscina olímpica que ele tem aqui, estou lendo uma das revistas que peguei no camarim da boate também. Ramon saiu cedo com os seguranças para cobrar alguém e até agora não voltou, sinceramente, estou feliz sem ele aqui.

- Achei você! - ô porra!

Suspiro irritada e abaixo a revista o encarando com a minha cara de poucos amigos.

- Pois não?

- Meu novo clube inalgura hoje. Vou transferir você para lá.

- Hã? - me levando de uma vez o questionando, deixo até a revista cair, não gosto da ideia. Eu acabei de me acostumar com a boate.

Meu nível de indignação com a notícia é tão grande que até me esqueci que estou só de biquini. Vejo o olhar de Ramon passear pelo meu corpo e me sinto esquentar de vergonha, como sou bem branca, tenho certeza que estou toda vermelha agora. Ele, como sempre, mantém o foco e continua o assunto:

- O seu trabalho não irá mudar. Vai continuar servindo bebidas. Como eu disse, você precisa ficar perto de mim, irei para o novo lugar ver como se desenvolverá nos próximos dias.

- Posso continuar trabalhando onde estou, acho que já deixei claro que não vou resistir as suas gracinhas - digo com raiva, eu mal me acostumei com um lugar, já vou ter que lidar com outro de novo.

- Isso não é uma negociação. Minhas rédias sobre você são curtas, você sabe, e não me chateie com mais argumentos não a levará a lugar algum.

- Porque tudo para você é oito ou oitenta?! - fico irritada ao ponto de levantar minha voz, juntamente com minha voz, sua sobrancelha direita se eleva também - A vida não é tão minimalista assim!

- VOCÊ QUEM NÃO ENXERGA O QUE ESTÁ BEM NA SUA FRENTE - ele grita, recuo um passo assustada, vendo eu me afastar, ele vem em minha direção, ainda gritando - A VIDA É PRETO NO BRANCO! O PROBLEMA SÃO PESSOAS COMO VOCÊ QUE ENXERGAM TUDO ATRAVÉZ DE LENTES COR DE ROSA EM...

- Se me permite, senhor... - somos interrompidos pelo mordomo que está logo atrás de nós. Quanto tempo ele está alí? - Sei que estou me intrometendo, mas há um pouco de verdade no ponto de vista dos dois. O problema é que ambos são extremos em suas convicções, se vocês apenas juntarem um pouco do ponto de vista um do outro, irão compreender...