Terceira Carta

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Sabe nem sempre eu fui assim,melancólico e distante,houve uma época em que eu era feliz, ou pelo menos achava que o que eu sentia era felicidade.

Eu tinha uns 5 anos e minha mãe apenas "saía" para trabalhar,naquela época o que ela fazia ainda era um mistério, e eu me lembro de quando ela inventou essa brincadeira em que eu tinha que dizer qual era o trabalho dela,era divertido porque ela sempre dizia "não",e eu me sentia desafiado.

 E eu mal sabia o que era, naquele tempo eu tinha uma figura paterna em forma de um cheque mensal de 1500 reais,mas minha mãe nunca admitiu que era do meu pai, ela sempre dizia que era do trabalho,mas agora é difícil imaginar que ela consiga isso tudo,e que venha em cheque.

Essa verdade sobre a minha mãe nunca foi dita em voz alta,pelo menos não dentro de casa, ela sabe que eu sei, eu sei que ela sabe que eu sei, mas ambos fingimos que ninguém sabe de nada. O mesmo acontece com minha situação na escola.

Minha antiga orientadora me dizia que eu precisava de uma figura paterna,em alguém para me espelhar,mas tudo o que eu sabia sobre o meu pai é que ele  ganhava bem o suficiente para nos dar alguma ajuda,já que o cheque nunca atrasava e ás vezes ele mandava mais.

Quando completei 11 anos os cheques pararam de vir,eu não sei porque ele parou de mandar o dinheiro,talvez a esposa dele tenha descoberto,ou ele simplesmente decidiu que não éramos tão importantes. De qualquer forma eu fiquei bem irritado porque minha mãe teve que trabalhar mais e naquela época eu meio que sabia da verdade.

 Eu fiquei tão irritado que quis descobrir quem era o cara, eu me lembro de ter fuçado nas coisas da minha mãe, achei um envelope vazio e nele tinha um endereço,eu sabia que as chances de ser o endereço dele eram mínimas,mas resolvi arriscar.

Na mesma hora que vi o endereço senti uma raiva queimar dentro de mim,o cara morava em um bairro nobre. O mesmo cara que havia abandonado a minha mãe,que havia me abandonado,que nunca tinha dado as caras, e nem me visitado em nenhum aniversário,nunca tinha dado nenhuma explicação,eu me senti estranho,eu acho que ainda não inventaram uma palavra para esse sentimento,mas foi o que eu senti.

Fui ao endereço,e era uma casa bonita,na verdade ela parecia incrível,era grande com um muro alto cheio de plantas,eu pensei em ir embora,e quando eu estava indo vi um homem chegar, estava saindo de um carro elegante,vestia um terno preto com uma gravata vermelha bem elegante,ele estava falando no celular e parecia bem concentrado,como se estivesse falando de negócios, ele andava elegantemente,e eu arrisco dizer que até mesmo seu sorriso era irritantemente elegante.

 Foi quando ele olhou na minha direção e eu vi o rosto dele,parecia uma cópia bem feita de mim mesmo alguns anos mais tarde,ele tinha meus olhos e meu nariz,ou seria melhor dizer que eu tinha seus olhos ? 

Aquela fração de segundos em que os nossos olhos se cruzaram não tiveram nenhum efeito sobre ele,já que ele continuou a falar no telefone,já pra mim aquele momento foi o mais importante de todos, foi aí que eu percebi que eu não tinha mais ninguém,se eu tivesse que fazer alguma coisa eu teria que faze-lo por mim mesmo, eu seria minha visão paterna,eu teria que virar um homem, então eu tentei, eu juro, mas não se pode mandar um menino fazer o trabalho de um homem, é simplesmente injusto.


Cartas de um SuicidaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora