Cartas de um Suicida

Se voce Ama Quem Ela é.

Os minutos se passaram lentos e maçantes,eu me encontrava sentado,esperava que ele acordasse,abrisse os olhos e sorrisse,não me atrevia a interromper seu sono. Meu pai andava cansado demais,e minha madrasta dirigia olhares de fogo a qualquer um que o acordasse. Ela não era movida por amor,ou nenhum outro afeto mais intenso,mas tinha um zelo incontestável pelo bem estar do meu pai. E isso eu respeitava. Leonor e eu cultivamos uma relação baseada em um respeito promovido pelo nosso cuidado por meu pai. Nos admirávamos por termos o afeto do mesmo homem. Mas em contra partida não conseguíamos dirigir a palavra um ao outro sem pensar que,nossas histórias poderiam ser diferentes se um de nós não existisse.

E poderia mesmo.

Mas não trocaria. Não trocaria meu presente.

E lá estava eu,sentado em uma poltrona confortável,em um quarto majestoso,cercado por uma penumbra doentia,um ar carregado de uma atmosfera pesada de tristeza e cansaço. Ele respiarava pesado,de vez em quando sua cabeça mexia bruscamente de um lado para o outro,o sono dele era sempre pesado e inconstante.Já começava a me levantar quando ouvi ele me chamar em um sussurro :

- Filho.. Por favor,fique.

Eu voltei imeditamente me sentando ao seu lado na cama,tomando cuidado com todo aparato médico que se encontrava no quarto,ligado á ele e mantendo ele consciente.

-Pensei que estivesse dormindo ..- cortei a frase de repente quando percebi que o chamaria de pai. Eu ja o havia chamado assim antes, mas em certas circunstancias a palavra ficava entalada em minha garganta e simplesmente me sufocava.

Ele sorriu fracamente.

- É muito difícil me chamar de pai não é ?

Olhei para as minhas mãos,em parte envergonhado,em parte simplesmente triste.

- Ás vezes não parece real.

Ele respirou fundo,e com suas mãos frágeis segurou as minhas mãos fortes,e pude sentir algum tipo de força sobrenatural,era mais como um carinho frágil,não era um aperto de mão,não me dizia muito sobre ele,só me dizia que ele me amava,e eu querendo ser recíproco disse:

- Parece não ser real que o senhor esteja aqui,e que estamos conversando,mas a parte boa é que tudo real e palpável. A melhor parte é que eu estou aqui,e que voce é meu pai de verdade. Eu só sinto por voce estar assim pai. Eu sinto muito.

Ele estava com os olhos fechados mas sorria. E disse todo paciente com a franqueza e a calma dignas dele.

- Ora, voce escreve muito bem meu filho,mas voce espera muito da vida real assim como faz muito em suas histórias, e o que foi que eu ja lhe disse ?

Sorri ao me lembrar de uma de nossas primeiras conversas,logo após ter mostrado os primeiros fragmentos de meus texto á ele.

- Não é necessário um final feliz para um história bonita,mas é necessário uma história bonita para um final feliz.

- Exatamente. Olhe para nós agora, me diga se esse não é o final perfeito para mim. O meu bem mais precioso vem me visitar todos os dias para conversarmos,ele me conta seus segredos e seus pensamentos,e eu não preciso lhe dar nada em troca. Voce só chega e me espera Noah,existe final mais feliz que esse ?

Meus olhos ameaçaram uma tempestade e meu peito se encheu de bombinhas,algumas pontadas estranhas e uma vontade de correr me abateu. Mas eu fiquei,reprimi as lágrimas,acalmei o peito. Nada foi derramado ou explodido naquele momento.

Eu li algumas coisas que havia escrito,ele apenas balançava a cabeça demonstrando satisfação.

- Vai me contar o que anda te encomodando filho ?

Pensei e selecionei as palavras,não queria aborrece-lo, mas estava desesperado para desabafar. A verdade era que meu pai era a única pessoa com quem conversaria sobre o que havia acontecido.Ele parecia entender muito bem sobre amor,e brigas,e erros,e consertos.

- Eu não sei o que dizer.. Eu amo a Mila, ela me mudou,me fez sentir vivo de novo. Mas, eu não sei,ela não parece 'ela' de verdade. É uma bagunça eu sei,mas,é só que eu não sei se eu gosto deste lado novo dela.

Ele me olhava atento,seus olhos mostravam curiosidade, e quando acabei de falar ele parecia sério,pensativo,mas em nenhum momento seu sorriso se enfraqueceu em seu rosto.

- Eu vejo o que esta errado.. É o mesmo erro de todos os relacionamentos.

O olhei curioso, parecia que ele sempre tinha alguma boa resposta para qualquer pergunta ou observação que eu fazia.

-Voce a culpa por te-lo mudado,por ter feito algo sobrenatural e impossível na sua vida, trouxe um tipo de amor e uma vida diferente,ela trouxe um pedacinho de felicidade em voce que parecia desconhecido por todos,e então,como se fosse de propósito ela começa a te tomar este mundinho pequeno de afeto. Sabe Noah, ela sempre foi do jeito que é agora,mas voce precisava de alguem do jeito que voce pensou que ela fosse. E então, aqui esta voce, se perguntando aonde esta o seu amor. Mas esqueceu de se perguntar se ela alguma vez foi verdadeiramente o que voce quer que ela seja agora.

Houve um momento de silêncio, usei esse silêncio para pensar.Me lembrei de todos aqueles beijos,dos abraços,de todos os momentos em que dormimos enrolados um no outro,nas madrugadas que permanecia acordado com meu cigarro e minha caneta trabalhando.

Aquilo precisava ser real. Ela precisava ser real. Não podia ser algo fantacioso. Uma pessoa não pode ser algo diferente do que ela é por tanto tempo.

Não pode.

- Eu a amo agora. Tenho certeza. E ela me ama tambem.

Ele fechou seus olhos mais uma vez,mas não tinha intenção nenhuma de abri-los de novo.

- Então, não sei o que faz aqui. Deveria estar com ela agora. Não a deixa ir. Me escute filho,uma vez que elas vão completamente,não há nada que as faça voltar. Vá atras dela.

E então,lá estava eu,me levantando rápido, não era necessária nenhuma despedida,ele ja havia voltado a dormir,e eu me voltava para a porta,corria pela casa,do jeito que eu estava,calça de pijama e camisa velha,cabelo bagunçado e meu all star velho,peguei a bicicleta velha nos fundos da garagem,e pedalei até aonde ela pudesse estar.

Não pensei no meu estado.

Só pensei que eu ja havia estado pior.

E que ela me fazia melhor.