Dois dedos

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LÊONIDAS

Quando acordei naquele avião eu caí na real. Tinha arrastado minha secretária para o outro lado do mundo, sem nem dar explicações, alugado um quarto conjunto num dos melhores hotéis de Veneza e não tinha comunicado nada a ela. Helena não era uma pessoa dócil, ela ia acabar comigo, do jeito que era doida eu saia de lá preso. Passei o restante da viagem pensando nisso, e não consegui ter paz.

Observei Helena o tempo todo, ela parecia deslumbrada. Olhava tudo com medo de perder os detalhes e isso me dava uma coisa no peito, eu estava apaixonado, era assustador. Fiquei calado com medo de ela saber antes da hora que dividiríamos o mesmo quarto, queria adiar o confronto. Falei em italiano na recepção porque sabia da sua fluência em inglês, e porra, a atendente fez questão de me entregar seu número. Em outros tempos eu teria já agendado com ela o horário para que subisse para o meu quarto, hoje eu queria socá-la por ser mais um motivo para Helena querer me matar.

Era estranho, mas eu me sentia da Helena. É como se tivéssemos um compromisso desde o dia que ela virou minha secretária e pronto.Idiota, mas verdadeiro.

Desviei de todas as perguntas dela, ao longo do caminho até o quarto e quando chegamos tranquei a porta com medo dela fugir. Esperei revolta, ser acusado de sequestro e assédio, abajur voando, sangue nos olhos, e a única coisa que ela me ameaçou foi de me levar no sindicato se eu cobrasse a hospedagem e o serviço de quarto... Cara, eu comecei a rir. Meu medo era ser morto e ter meu corpo jogado em um canal qualquer de Veneza e ela só queria o serviço de quarto? Não acredito! Eu estava apaixonado por uma louca que não tinha sentido nenhum em sua mente. A gente não escolhe por quem se apaixona, Fera, não escolhe.

Saio do banho e dou uma olhada nos ingressos jogados encima da mesa. Eu queria dar a Helena uma experiência que não teria com mais ninguém. Queria mostrar a ela coisas que ninguém mostraria, coisas que não esqueceria. Precisava ser importante para ela. Sei que Helena não curtiria a ópera em si, nem eu gostava, mas tenores eram outro papo. Antonella tinha me apresentado essa banda e eu gostei para valer, queria que fosse a minha ponte com Helena também. É tosco, mas todo casal tem uma música, não é?

O show foi maravilhoso. No começo Helena pareceu não entender, mas aos poucos ela estava vidrada nos quatro tenores. O teatro foi transformado num coliseu muito realista, a sonorização estava perfeita... E às vozes tão diferentes pareciam se unir perfeitamente.

Quando "she" começou a ser cantada me peguei olhando-a, aquela musica me traduzia:

"She forse sara' la prima che
io non potrò dimenticar
la mia fortuna o il prezzo che
dovrò pagar
She la canzone nata qui
che ha gia cantato chissa' chi
l'aria d'estate che ora c'è
nel primo autunno su di me

She la schiavitu' la liberta'
il dubbio la serenita'
preludio a giorni luminosi oppure bui
She sara' lo specchio dove io
riflettero' progetti e idee
il fine ultimo che avro' da ora in poi.

She così importante così unica
dopo la lunga solitudine
intransigente e imprevedibile
She forse l'amore troppo atteso che
dall'ombra del passato torna a me
per starmi accanto fino a che vivro'

She a cui io non rinuncerei
sopravvivendo accanto a lei
ad anni combattuti ed avversita'
She sorrisi e lacrime da cui
prendono forma i sogni miei
ovunque vada arriverei
a passo a passo accanto a
She she."

Naquela música, ninguém precisava dizer nada. Segurei a mão dela, depositei um beijo casto e a olhei nos olhos, no último acorde eu encostei meus lábios no dela e esperava ali estar demonstrando todo o meu amor.

HelenaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora