As gargalhadas vinham de todo ônibus, menos Lola que olhou triste para aquilo.

Raul não teve dúvida, voou para cima do ruivo e o socou. Três caras braites que estavam no bonde voador resolveram ajudar aquele ruivo molenga e partiram para cima dele. Raul era forte e conseguiu revidar alguns golpes, mas pouco tempo depois ele foi encurralado por eles. Dois seguravam Raul para o terceiro chutá-lo. O ruivo imbecil só assistia a cena rindo. Mamãe olhava apavorada para mim. Eu queria partir para cima daqueles braites, mas eu sabia os limites da minha própria magia. Eu não era mais uma braite, mas eu tinha flutuado junto com Raul. Mas eu precisava acreditar. Eu estava determinada. Raul não iria apanhar daquele jeito. Mamãe vendo os movimentos de minhas mãos e cabeça percebeu que eu queria fazer magia e olhou curiosa. Ela sabia, como eu, que fazer aquela magia seria praticamente impossível, afinal o bonde voador estava sendo conduzido pela magia de um braite poderoso que dominava o elemento ar, além disso só outro mago braite ainda mais poderoso seria capaz de interferir na vontade de um braite que dominava o elemento ar, e, se antes quando eu era um braite isso já era algo praticamente impossível, agora que eu era laluli nem se fale. Ainda assim não me importei com isso, todas aquelas regras e certezas tinham me cansado, eu tinha flutuado, eu tinha poderes e faria a magia. Imaginei o bonde voador inclinando para trás de modo que Raul caísse em cima do cara que estava batendo nele e os demais o soltassem. Ouvi um estrondo. Era minha magia se manifestando, fazendo o bonde a fórceps de inclinar. Raul caiu em cima do seu algoz e os dois capangas o soltaram. Livre Raul conseguiu nocautear seu agressor e os outros dois recuaram assustados. Raul estava bem. Ele veio em minha direção e me abraçou forte.

— Foi você? — ele perguntou exultante.

Assenti.

Todos no ônibus me olhavam curiosos e desconfiados. Como eu que me apaixonei por Raul, que vivia com ele dia após dia em um mundo duro e cruel, conseguia fazer aquele tipo de magia? Como mudei o curso do bonde voador que estava no comando de um mago braite? Como uma quase laluli foi capaz daquilo? Lola tinha os olhos arregalados e um sorriso em seus lábios. Ela tinha entendido que eu tinha encontrado uma saída para tudo aquilo, hoje e sempre. Eu tinha achado um jeito de continuar minha magia e até fortalecê-la. Ela percebeu que eu poderia mudar o mundo.

Eu estava muito feliz para esconder. Quis dizer tudo o que eu pensava. A barreira já havia sido rompida, eu precisava agora cruzar o caminho.

— É tudo idiotice que os lalulis enfraquecem os braites. Toda essa separação é imbecil. Vocês deveriam saber disso. Estava na nossa cara todo o tempo! — gritei para todo mundo.

Todos no bonde voador ainda estavam de queixo caído, inclusive minha mãe que parecia não acreditar no que tinha visto. Ninguém conseguiu falar nada.

Eu, Raul e outros alunos descemos na escola. Não demorou muito Lola chegou perto da gente.

— O que foi aquilo, Pam? — ela perguntou curiosa.

—Acho que foi o amor, Lola — respondi e continuei andando ao lado de Raul, que me abraçava. Eu sentia que ele estava orgulhoso de mim, assim como eu estava orgulhosa dele.

Lola ficou parada de queixo caído, tentando processar o que tinha visto. O que tinha acontecido virou notícia que correu pela escola, da escola para toda cidade e da cidade para o mundo. Todos passaram a nos respeitar, nos olhavam com reverência, mas havia mais alguma coisa naqueles olhares, havia desconfiança e medo, como se fôssemos uma força grande, mas também descontrolada e perigosa. Ninguém mais mexeu com a gente, mas aquilo ainda parecia pior. Éramos figuras públicas e sabíamos que, por isso, o que acontecesse conosco seria um recado para toda sociedade. Sabíamos assim que não poderíamos existir livremente, tínhamos que ser julgados com rigor. Por tudo isso, não foi surpresa quando, depois de alguns meses, o Secretário Chefe do Conselho de Mestres bateu novamente na nossa porta. Ele resmungou alguma coisa para papai.

— Pamela, venha até aqui, por favor — pediu meu pai me olhando no sofá. Caminhei até a porta. — É para você — ele disse visivelmente preocupado.

Não disse nada e peguei a carta. Meu pai nem se despediu do sujeito e fechou a porta. Senti seus braços em volta de mim.

— Vamos ler juntos? — ele perguntou triste.

— Vamos — respondi preocupada.

Eu rasguei o envelope, abri a correspondência e comecei a lei.

Senhorita Pamela Morning Star.

A senhorita foi acusada pelo Conselho de Mestres de ter cometido o crime de atentado a paz pública. Seu julgamento será em três dias. Caso a Cúpula Suprema de Justiça a julgue culpada, a pena é o exílio.

Mestre Franz Stein

Primeiro Juiz da Cúpula Suprema de Justiça.

Olhei para meu pai aflita e foi uma das poucas vezes que não encontrei conforto algum. Ele, como eu, estava apavorado.

#ACREDITE (VENCEDOR DO #THEWATTYS2018)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora