Delírio

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Minha noção de tempo estava péssima. Sentia-me completamente perdido, mas imaginei que já era metade do dia quando meu estômago doeu e se contraiu de fome. Meu corpo, fraco, tremia e eu apenas ficava encolhido em um canto. Bateram-me novamente, com tanta força que cheguei a cuspir sangue, então algo dentro de mim havia se rompido. Não me deixaram ir ao banheiro. Precisei urinar no canto da cela. A urina saiu em um tom escuro, quase marrom, e me deixou ainda mais preocupado do que eu já estava. Era desidratação.

Lá estava encolhido, enquanto sentia que minha vida seria tirada e diriam para as pessoas que fora suicídio. Quem não acreditaria? Talvez uma boa equipe de perícia, mas um psiquiatra saberia ludibriá-los. Talvez já tivesse feito antes. Ninguém acreditaria no  testemunho de loucos. Cheguei à conclusão de que ele torturava as pessoas durante a madrugada, esse era o motivo de tantos gritos desesperados. Parecia cena de filme de terror, mas não era, e eu seria o próximo.

Pensei em Nia. A pele macia, cabelos bonitos, sorriso largo... Eu amava aquela mulher mais do que jamais amaria outra. Literalmente não amaria outra, minha vida estava acabada. Comecei a chorar ao lembrar nossos momentos. A lua de mel dela devia estar ótima, não haveria motivos para se lembrar de mim.

Sem forças, o choro me custou a última centelha que me mantinha acordado. Fechei os olhos e me entreguei ao sono ou ao delírio. O que me levasse para longe de minha consciência.

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Um “dia de cão”. Era isso. Depois o encontro com Lianmar, aquela senhora apavorante, resolvi almoçar. Já era hora.

Durante o almoço meditei sobre todas as informações que eu tinha e o processo que tomaria se não tirasse Isac da clínica. Não seria tão simples liberá-lo de lá. Primeiro seria necessário prender ele em uma cadeia comum e depois eu seria repreendido pelo delegado porque meu principal suspeito conseguiu abrir um processo contra minha incompetência.

Quando terminei a alimentação, resolvi ver Isac e confirmar com meus próprios olhos as condições que estavam na foto de Lianmar. Peguei meu carro e dirigi até a clínica.

Na clínica, nada parecia fora do comum. A recepcionista ainda era simpática, assim como todos os demais funcionários.

Pedi que me levasse ao doutor Schukrut e ela de pronto atendeu ao pedido.

A sala do homem tinha uma prateleira coberta de arquivos e uma poltrona macia que eu já conhecia de antes. Ele era um senhor simpático que usava óculos e tinha nariz adunco.

— Imagino que esteja aqui para falar sobre a invasão de minha clínica, detetive Nico. — Sorriu com amistosidade, mas a exigência era clara.

— Em verdade, a senhora Lianmar disse que não entrou à força e pediu provas da acusação. — Cortei rápido para não ter muitos problemas. — Um vídeo das câmeras de segurança, seria ótimo. Soube que as tem.

— Tenho. Providenciarei. — O novo sorriso foi diferente, meio incerto.

— Vim para saber como está Isac e suas condições mentais. — Eu nem sabia se poderia chamar insanidade de “condições mentais”.

— Isac está muito frágil. — O homem se levantou e olhou por uma janela que ficava às suas costas, de modo que a nova posição não me deixava ver seu rosto. — Ele tem se auto mutilado.

— Auto mutilado? — Perguntei descrente.

— Sim, principalmente durante a noite. Creio que ele não aceita a perda de seu objeto de adoração. Conversei com o rapaz por longas horas e ele falava apenas da moça. — Schukrut se virou para mim. Parecia absurda a parte da automutilação, mas falar de Nia por horas podia ter ocorrido.

— Desejo vê-lo. — Eu tinha a sensação de que algo naquela história estava errado, mas Evandr Schukrut era um psiquiatra renomado e poderia ser um erro lhe desafiar.

— Não creio que seja boa idéia. A condição de Isac é deveras delicada. Talvez amanhã, após um bom preparo psicológico. — Seu sorriso ficou largo.

Para forçá-lo a me deixar ver Isac eu precisaria de uma ordem judicial, era minha vontade contra sua palavra. Talvez aquilo que Lianmar viu era, de fato, resultado de automutilação.

Resolvi não criar caso da situação, menos de vinte e quatro horas não fariam mal à Isac.

O poderia acontecer de ruim?

A Rosa do Assassino [Concluído]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora